Acerca de mim
- Nome: João Carlos Santana da Silva
- Localização: Setúbal, Portugal
Links
World Wide Web
- Centro de História da Univ. Lisboa
- The Daily Telegraph
- Diário de NotÃcias
- The Economist
- O Independente
- Público
- The Spectator
Archives
"A capacidade destrutiva do indivíduo, por mais perverso que este seja, é pequena; a do Estado, por mais bem intencionado que seja, é quase ilimitada." -Paul Johnson / Comentários: silva.joaocarlos@hotmail.com
quinta-feira, setembro 02, 2004
A short farewell
O tédio derrotou-me. Sinto uma certa pena da minha irrisória paixão por este blog. Fica a memória, à espera de ser recuperada. Mas sinto necessidade de escrever.
Fico por cá: no LUSITANO.
Fico por cá: no LUSITANO.
domingo, agosto 08, 2004
Folga
Toda a gente necessita de descanso. O próprio blogue necessita de uns dias longe de mim. Assim, tiro uns dias de folga. O blogue e eu. Umas férias burguesas. Até lá, refugio-me aqui.
Forget What Did
Stopping the diary
Was a stun to memory,
Was a blank starting,
One no longer cicatrized
By such words, such actions
As bleakened waking.
I wanted them over,
Hurried ti burial
And looked back on
Like the wars and winters
Missing behind the windows
Of an opaque childhood.
And the empty pages?
Should they ever be filled
Let it be with observed
Celestial recurrences,
The day the flowers come,
And when the birds go.
Philip Larkin, High Windows
Was a stun to memory,
Was a blank starting,
One no longer cicatrized
By such words, such actions
As bleakened waking.
I wanted them over,
Hurried ti burial
And looked back on
Like the wars and winters
Missing behind the windows
Of an opaque childhood.
And the empty pages?
Should they ever be filled
Let it be with observed
Celestial recurrences,
The day the flowers come,
And when the birds go.
Philip Larkin, High Windows
A classe de 1974
As fórmulas paradisíacas da felicidade pela revolução, a que sucederam as manifestações de paranóia no poder da era gonçalvista e do socialismo da miséria da administração soarista, fariam hoje sorrir se não fossem a catástrofe que precederam ou trouxeram. A classe política, saída da Revolução de Abril, há-de, entretanto, continuar a defender os seus interesses com unhas e dentes, inventando novas receitas de sobrevivência e sacrificando até, se tal for necessário, parte dos seus leaders "carismáticos" de ocasião: o que sucedeu ao "inocente útil" Spínola, ao tenebroso "Mr. Cork", ao dementado "companheiro Vasco", ao folclórico Otelo, pode amanhã passar-se com o "burguês satisfeito" Dr. Soares ou o revenant Major Antunes.
Jaime Nogueira Pinto, Fascismo em Rede
Jaime Nogueira Pinto, Fascismo em Rede
sábado, agosto 07, 2004
A náusea
No bar, esperando que todos adormeçam e a rua fique deserta.
Olhando o canto escuro do salão, torturado pela voz de Björk.
Olhando o canto escuro do salão, torturado pela voz de Björk.
Outono
Ezra Pound
Henri Cartier-Bresson, 1961
Eternity (For Men)
Ela deu-me eternidade
em papel de aniversário
embora não fossem os meus anos.
Fez-me mal, agora
que o cheiro dela e o meu
já se tinham misturado.
Prenda de namorados, o símbolo
era ilusório,
e o amor acabou antes ainda
do frasco.
Pedro Mexia, Avalanche
em papel de aniversário
embora não fossem os meus anos.
Fez-me mal, agora
que o cheiro dela e o meu
já se tinham misturado.
Prenda de namorados, o símbolo
era ilusório,
e o amor acabou antes ainda
do frasco.
Pedro Mexia, Avalanche
sexta-feira, agosto 06, 2004
Artista de passeata
Já dizia Nélson Rodrigues: «artista não pensa». Mas opinião não é regra e, como tal, os artistas têm de estar com o povo, «pensar» com ele. Pearl Jam, Bruce Springsteen, R.E.M. e muitos outros decidiram juntar-se à «procissão» anti-Bush, que já dura desde, digamos, 2000. Ou seja, desde o primeiro momento em que George W. Bush apareceu, já era o «republicano belicista», o «cowboy texano», o «macaco», o «burro». Coisas que são, diariamente, realçadas pelos senhores das guitarras e das vozes invulgares que parecem generosamente juntar-se a uma considerável parte dos americanos numa uníssona voz de protesto ébrio, por entre bebida e urros animalescos. Os referidos artistas decidiram, então, juntar-se numa tour «independente» (claro, claro) contra o actual Presidente dos Estados Unidos. A tour chamar-se-à, sem surpresa e sem precisão, America Coming Together, significando, naturalmente: o povo americano não gosta de George Bush. Artistas representando o povo num país democrático...
Sartre sentiu necessidade de recusar o Nobel para ser um pouco melhor aceite. Certos poetas portugueses eram «bons poetas» porque dirigiam poemas não tão bons contra o regime salazarista. Agora, à entrada do séc. XXI, há um novo tema artístico: Bush. No dia em que Bush descer da Presidência, os artistas deixam de tentar pensar e voltam ao que sabem fazer. Porque artista não pensa, e se pensa é, invariavelmente, de esquerda. Or so it seems.
Sartre sentiu necessidade de recusar o Nobel para ser um pouco melhor aceite. Certos poetas portugueses eram «bons poetas» porque dirigiam poemas não tão bons contra o regime salazarista. Agora, à entrada do séc. XXI, há um novo tema artístico: Bush. No dia em que Bush descer da Presidência, os artistas deixam de tentar pensar e voltam ao que sabem fazer. Porque artista não pensa, e se pensa é, invariavelmente, de esquerda. Or so it seems.
quinta-feira, agosto 05, 2004
Representação
Jacques-Louis David, Napoleon Crossing the Saint Bernard, 1800-01
Sombra da loucura
Fim da noite. A madrugada parece ameaçar rebentar cedo. Caminho para casa pelas ruas da cidade, submersas num insuportável odor a lixo. No meio da avenida, vejo uma figura. À medida que me aproximo do local, decifro a visão: uma mulher descalça no alcatrão da estrada assobia o hino nacional, perto de um monumento aos combatentes da Primeira Guerra. Quando me vê, isolado na rua já de si deserta, vocifera pequenos impropérios quase inaudíveis. Dirige-se a mim assobiando. Acelero para casa, ouvindo os passos e o assobio nas minhas costas, cada vez mais perto. Entro em casa e fecho a porta rapidamente, ouço o inofensivo assobio passar. Penso nos combatentes que tombaram. Penso no hino. Penso na mulher. Penso em Kubrick e Hitchcock. Penso, sobretudo: vejo filmes a mais.
terça-feira, agosto 03, 2004
«Santo» Ernesto de la Higuera
Guevara é um símbolo. Contra isso nada posso fazer. Mesmo se me empenhasse a fundo na desmistificação do homem, não o poderia retirar do pedestal inalcancável a que já acedeu. É, literalmente, o eterno «Cristo» dos marxistas. Com direito a emboscada e a «crucificação».
Ernesto Guevara nasceu na Argentina a 14 de Junho de 1928, e a sua existência estava destinada a ser dedicada, não ao seu país de nascença (suponho que não tolerasse Perón), mas a outros. Entre eles: Cuba. Tendo sido o «braço direito» de Fidel Castro na Revolução de 1959, Ernesto «Che» (assim o chamavam em redor da fogueira) Guevara obteve, dir-se-ia, o (não «um», mas «o») lugar de destaque no regime castrista, ultrapassando, em fama, carisma e apoio popular, o próprio Fidel.
Seguidor fiel da linha marxista-leninista, era, no entanto, algo desconfiado quanto às palavras oriundas de Moscovo na era de Estaline e mesmo de Khrustchev, ou seja, das «indicações» que vinham da União Soviética e, escusado referir, do PCUS. Desconfiado, mas não desiludido.
Acordem os senhores e senhoras que ainda dão algum crédito a «Che» Guevara pela sua «determinação», pela sua «persistência», «coragem» ou qualquer outra ilusória virtude do líder, do homem que se rebela contra as injustiças (claro...) do seu país, contra o poder instituído ilegitimamente. «Che» prometia o poder ao povo. Devolvê-lo. Lenine também o havia prometido... tal como Estaline...
Em 1965, partiu de Cuba, rumo ao horizonte longínquo da vitória do socialismo no Mundo. Passou pelo Congo, prometeu aos africanos a desconhecida «democracia». Era a primeira forma de «democracia» que conheciam, apesar do mitigado imperialismo belga. Foi frustrado na sua senda «missionária».
Em 1967, partiu para ajudar guerrilheiros bolivianos e dar o seu próprio contributo. Afinal, o aspirante a médico, o genial líder, o romântico argentino, o generoso jovem da Revolução de 1959 apenas se sentia bem num ambiente: o de contínua revolução e banho de sangue. Matou camponeses bolivianos que não sabiam onde ficavam, sequer, a própria Bolívia. «Che» gostava de andar armado e com mapas das selvas sul-americanas. Resolveu partir para a Bolívia para «seduzir» (à sua maneira muito própria e soviética) os indígenas à Revolução. Nunca de lá voltou a sair. Ficou na Bolívia. Em 1967 foi morto em guerrilha.
Guevara não era um guerrilheiro, era um terrorista. Não era um romântico, era um capataz de uma variação pouco variada do estalinismo. Criticava a URSS, porque queria ser pior. Não gostava das purgas ou dos campos soviéticos, porque queria poupar os partidários do comunismo e duplicar as sevícias aos que ainda não tinham sido esclarecidos pela sua acção propagandística liderada por guerrilheiros e carros de combate (quando os havia). Em suma, queria um comunismo mais comunista, mais adaptado à realidade da pobreza da América do Sul. Mas a sua preocupação pelos «pobres» era muito própria: era uma missão apenas levada a cabo com traje de combate e arma de fabrico soviético. O único vermelho que espalhou foi o do sangue dos que não o seguiam. Por isso é um Jesus Cristo. Mas sem conhecer o perdão.
Ernesto Guevara nasceu na Argentina a 14 de Junho de 1928, e a sua existência estava destinada a ser dedicada, não ao seu país de nascença (suponho que não tolerasse Perón), mas a outros. Entre eles: Cuba. Tendo sido o «braço direito» de Fidel Castro na Revolução de 1959, Ernesto «Che» (assim o chamavam em redor da fogueira) Guevara obteve, dir-se-ia, o (não «um», mas «o») lugar de destaque no regime castrista, ultrapassando, em fama, carisma e apoio popular, o próprio Fidel.
Seguidor fiel da linha marxista-leninista, era, no entanto, algo desconfiado quanto às palavras oriundas de Moscovo na era de Estaline e mesmo de Khrustchev, ou seja, das «indicações» que vinham da União Soviética e, escusado referir, do PCUS. Desconfiado, mas não desiludido.
Acordem os senhores e senhoras que ainda dão algum crédito a «Che» Guevara pela sua «determinação», pela sua «persistência», «coragem» ou qualquer outra ilusória virtude do líder, do homem que se rebela contra as injustiças (claro...) do seu país, contra o poder instituído ilegitimamente. «Che» prometia o poder ao povo. Devolvê-lo. Lenine também o havia prometido... tal como Estaline...
Em 1965, partiu de Cuba, rumo ao horizonte longínquo da vitória do socialismo no Mundo. Passou pelo Congo, prometeu aos africanos a desconhecida «democracia». Era a primeira forma de «democracia» que conheciam, apesar do mitigado imperialismo belga. Foi frustrado na sua senda «missionária».
Em 1967, partiu para ajudar guerrilheiros bolivianos e dar o seu próprio contributo. Afinal, o aspirante a médico, o genial líder, o romântico argentino, o generoso jovem da Revolução de 1959 apenas se sentia bem num ambiente: o de contínua revolução e banho de sangue. Matou camponeses bolivianos que não sabiam onde ficavam, sequer, a própria Bolívia. «Che» gostava de andar armado e com mapas das selvas sul-americanas. Resolveu partir para a Bolívia para «seduzir» (à sua maneira muito própria e soviética) os indígenas à Revolução. Nunca de lá voltou a sair. Ficou na Bolívia. Em 1967 foi morto em guerrilha.
Guevara não era um guerrilheiro, era um terrorista. Não era um romântico, era um capataz de uma variação pouco variada do estalinismo. Criticava a URSS, porque queria ser pior. Não gostava das purgas ou dos campos soviéticos, porque queria poupar os partidários do comunismo e duplicar as sevícias aos que ainda não tinham sido esclarecidos pela sua acção propagandística liderada por guerrilheiros e carros de combate (quando os havia). Em suma, queria um comunismo mais comunista, mais adaptado à realidade da pobreza da América do Sul. Mas a sua preocupação pelos «pobres» era muito própria: era uma missão apenas levada a cabo com traje de combate e arma de fabrico soviético. O único vermelho que espalhou foi o do sangue dos que não o seguiam. Por isso é um Jesus Cristo. Mas sem conhecer o perdão.
segunda-feira, agosto 02, 2004
Uma flor de obsessão
Eu e o Bruno, em procissão habitual e dolente, procuramos a biografia de Nélson Rodrigues, escrita por Ruy Castro. Já sem esperanças, também como habitualmente, paramos na saída de uma pequena livraria. O Bruno demora-se, eu não. Bafejado pela sorte, vejo o livro. Sou mais rápido. Pensando em Darwin e na sobrevivência das espécies, torno-me frio e cruel. Deixo o Bruno de mãos a abanar. O Anjo Pornográfico, desta vez, é meu.
Negligente
Continuo na vaga de entusiasmo do Lusitano. Escrevo por lá (pouco), e vou negligenciando esta casa. O Metamorfopsia vai cambaleando, mas está saudável.
domingo, agosto 01, 2004
Cismando
Ontem à sombra dos plátanos
Daquela extensa avenida
Sentia-te comovida,
Tremer... corar.
Ia a falar-te mas - Cala-te -
Disseste, com voz maviosa,
- Quero, nesta hora saudosa,
Quero cismar.
Júlio Dinis
Daquela extensa avenida
Sentia-te comovida,
Tremer... corar.
Ia a falar-te mas - Cala-te -
Disseste, com voz maviosa,
- Quero, nesta hora saudosa,
Quero cismar.
Júlio Dinis
sexta-feira, julho 30, 2004
Voto Universal
Do outro lado do Atlântico, Kerry, num discuso «brilhante e cristalino», promete «trazer de volta a democracia» (tradução livre de bring back OUR democracy). Por cá, também se faz campanha: ao que parece, e alheio à minha compreensão, a mulher de John Kerry é-nos «próxima» e Moçambique faz «parte do imaginário americano». Como dizia o Paulo, parece que, nas eleições americanas, todo o Mundo vota. Parece-me, também, que isso seria possível e apoiado, desde que não se votasse nos republicanos.
Falsa elegia
Atenção. O Sócrates que Platão idolatrava morreu há alguns milénios, e já não volta.
Recordação plangente
Edward Hopper, Hotel Room, 1931
O serviçal
Um dia virá o cansaço. Deixar-me-ei cair numa cadeira, bem no centro do quarto. E daí, com vista para todas as paredes, não mais precisarei de me levantar.
quinta-feira, julho 29, 2004
Fragmento
Flutuas num sonho, beijando a realidade. Tudo à tua volta se desmorona. Tudo cai, desenhando uma ilha em teu redor.
quarta-feira, julho 28, 2004
O amigo napoleónico
Finalmente chegam. Após uma pequena querela com o (espesso) véu burocrático dos Correios, consigo deitar as mãos A Europe: a History, de Norman Davies, e a Napoleon, de Paul Johnson. Este último tem especial destaque, por três coisas: por ser sobre Napoleão, figura inigualável na construção da Europa Contemporânea e do legado republicano (não admiro por qualquer um dos «feitos»), e grande figura histórica, simplesmente; por ser de Paul Johnson, historiador por quem nutro alguma admiração, não pelos livros, que só agora tenho oportunidade de ler, mas sobretudo pelos artigos, soltos, que vou lendo naquela que chamam a «melhor revista do Mundo»; e, finalmente, pelo intrigante «prefácio» que João Pereira Coutinho havia feito uma vez ao livro do excelso Paul Johnson. Sobre as duas últimas pouco há para dizer, quase toda a gente concordará. Mas sobre Napoleão há algo a dizer.
Napoleão não deveria ser admirado como actualmente é. Eu admiro-o e não sei bem porquê. É uma figura «enorme» da História, da Política e da História Militar da Humanidade. Poucos foram como ele, e chegaram onde ele chegou. Eu não gostava especialmente de Napoleão. Ainda hoje sei porquê, mas passei, involuntariamente, a ter alguma admiração pelo há muito falecido francês. Porquê? Pela televisão. Pelo altar da televisão. Napoleão foi feito, nas séries e documentários, herói da «modernidade» da Europa. Herói do fim definitivo das amarras absolutistas e das «neuras» revolucionárias. Não foi. A verdade é outra.
Os sucessos de Napoleão são muito diferentes. Não derrotou o absolutismo - impediu, simplesmente, com alguns congéneres militares revolucionários, que a monarquia evoluísse para um regime constitucional. Não acabou com a Revolução - em vez disso, prolongou-a sob o seu «reinado», mas com ordem, ou seja, instaurou uma espécie de «revolução contínua». Mas esse não é o seu sucesso. Napoleão conseguiu, pura e simplesmente, o que queria, sempre sob a bandeira da «Pátria Francesa». Esta é a lição da sua vida.
No entanto, para o leigo da contemporaneidade, as figuras históricas surgem com uma aura diferente. São-nos mostrados como heróis no seu próprio «campo de batalha», nunca no nosso. 'Che' Guevara, Fidel, Luther King, Mandela, Gandhi e até Lenine são representados de forma romântica, exaltada e infantilmente exagerada. Com um nauseabundo cheiro a mentira. Assim, Napoleão Bonaparte surge-nos, na televisão (em especial na série em que é representado por Clavier), como um líder ideal, forte e confiante, e no qual todos podiam confiar, que é, continuamente, traído por Tayllerand, Fouché, irmãos e generais. É o puro contra os «outros». É por isso que todos gostam dele. Por isso e pelas vitórias. Nada mais. Napoleão não salvou o Mundo. Napoleão não o melhorou. Napoleão não foi um grande homem. Mas foi, sem dúvida, um grande líder. E essa rica matéria de «conto» é impossível passar despercebida. Mesmo a mim.
Napoleão não deveria ser admirado como actualmente é. Eu admiro-o e não sei bem porquê. É uma figura «enorme» da História, da Política e da História Militar da Humanidade. Poucos foram como ele, e chegaram onde ele chegou. Eu não gostava especialmente de Napoleão. Ainda hoje sei porquê, mas passei, involuntariamente, a ter alguma admiração pelo há muito falecido francês. Porquê? Pela televisão. Pelo altar da televisão. Napoleão foi feito, nas séries e documentários, herói da «modernidade» da Europa. Herói do fim definitivo das amarras absolutistas e das «neuras» revolucionárias. Não foi. A verdade é outra.
Os sucessos de Napoleão são muito diferentes. Não derrotou o absolutismo - impediu, simplesmente, com alguns congéneres militares revolucionários, que a monarquia evoluísse para um regime constitucional. Não acabou com a Revolução - em vez disso, prolongou-a sob o seu «reinado», mas com ordem, ou seja, instaurou uma espécie de «revolução contínua». Mas esse não é o seu sucesso. Napoleão conseguiu, pura e simplesmente, o que queria, sempre sob a bandeira da «Pátria Francesa». Esta é a lição da sua vida.
No entanto, para o leigo da contemporaneidade, as figuras históricas surgem com uma aura diferente. São-nos mostrados como heróis no seu próprio «campo de batalha», nunca no nosso. 'Che' Guevara, Fidel, Luther King, Mandela, Gandhi e até Lenine são representados de forma romântica, exaltada e infantilmente exagerada. Com um nauseabundo cheiro a mentira. Assim, Napoleão Bonaparte surge-nos, na televisão (em especial na série em que é representado por Clavier), como um líder ideal, forte e confiante, e no qual todos podiam confiar, que é, continuamente, traído por Tayllerand, Fouché, irmãos e generais. É o puro contra os «outros». É por isso que todos gostam dele. Por isso e pelas vitórias. Nada mais. Napoleão não salvou o Mundo. Napoleão não o melhorou. Napoleão não foi um grande homem. Mas foi, sem dúvida, um grande líder. E essa rica matéria de «conto» é impossível passar despercebida. Mesmo a mim.
O nº 3
Leio no Público de ontem um pequeno artigo sobre Marques Mendes e o PSD. sobretudo, fica clara uma ideia (que me era alheia): Marques Mendes era, naturalmente, o nº 3 do partido antes da saída de Durão Barroso, em especial afirmada no Congresso de Fevereiro de 2000, onde atingiu, sensivelmente, os 16%, depois de Durão Barroso e Santana Lopes.
Na mediocridade das possíveis escolhas, vejo em Marques Mendes o «modelo político» ainda «seleccionável» para uma nova liderança. Se tudo correr bem, Santana deixará um bom legado para a corrida de Marques Mendes, que bem admiro.
Na mediocridade das possíveis escolhas, vejo em Marques Mendes o «modelo político» ainda «seleccionável» para uma nova liderança. Se tudo correr bem, Santana deixará um bom legado para a corrida de Marques Mendes, que bem admiro.
terça-feira, julho 27, 2004
Vox populi
Acendo a televisão e vejo o impensável. Impensável... Na Sky, Hillary Clinton faz campanha pela «dupla» Kerry/Edwards, falando dos problemas da «América» (falando em nome da «Nação», não do país), do «comprometido» futuro das «crianças da América» e da «ameaça constante» que representa o actual Presidente George W. Bush para esse mesmo futuro. Pouco depois do populismo da oratória de Hillary, prepara-se uma outra entrada: sob o rufar de tambores e de uma música grandiloquente, entra em cena Bill Clinton. Abraça Hillary e prepara-se para o discurso: um prefácio para a demagogia de Kerry. Penso duas vezes. A situação não era impensável, era obviamente previsível. Não aguento, mesmo que pelo humor. Apago a televisão. Vou dormir...
segunda-feira, julho 26, 2004
Kubrick
É difícil qualificar Stanley Kubrick (1928-1999). Não o homem, mas o Kubrick que todos conhecem. O realizador. O génio. O génio que nasceu, precisamente, a 26 de Julho de 1928. Esse, sim, merece os melhores elogios. Não os elogios de ocasião. Mas os angustiados elogios de quem foi tocado pela obra «enorme» de Kubrick, e não poderá esperar mais obras de arte como as anteriores.
Entre as suas obras está uma que é, talvez, para mim, a melhor ou uma das melhores da história da cinema: A Clockwork Orange. Apenas este filme seria suficiente para o colocar no lote de nomes inatingíveis. Também Paths of Glory, o Dr. Strangelove or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb e Barry Lyndon, são obras de culto que estão entre os meus favoritos. Outras como 2001: Space Odyssey, por exemplo, não são das obras que prefiro, mas ainda assim revelam a acuidade de Kubrick.
Nasceu a 26 de Julho.
domingo, julho 25, 2004
Constable
John Constable, Hampstead Heath, Looking Toward Harrow, 1821
sábado, julho 24, 2004
A dor humana
Afinal o que faz um «génio» nas «artes»? O próprio conceito é ambíguo e muito dado ao entendimento subjectivo e contextual. Um grande pianista, um «sobredotado», pode tocar todas as peças de Rachmaninov sem partitura e, ainda assim, não ser um «génio». E porquê?
Porque o que transforma a espectacularidade em genialidade é o sentimento. Até o mais excelso ser humano pode atingir níveis inumanos no que faz e nunca atingir a genialidade, isso porque não sofre pelo que faz. Gauguin queria ser ofendido. Queria dor, baixeza de modo de vida e exotismo. Em suma, queria sofrer para poder pintar melhor. Não o conseguia. Van Gogh, no entanto, «conseguia». Aliás, van Gogh queria deixar de sofrer. Gauguin queria sofrer como van Gogh, e este queria deixar de ser louco. Gauguin queria ser miserável, van Gogh queria deixar de o ser, sem sucesso (era a sua sina). Apenas um deles era miserável, apenas um deles foi um génio na sua pintura: Vincent van Gogh.
No fado, a mesma coisa. Mariza é, hoje, sem dúvida, uma das grandez «vozes» (note-se a despersonalização) da música portuguesa. Sobretudo, é uma voz honesta e pouco popular. Eu gosto de a ouvir. Amália também cantava, mas cantava a sua vida, a sua infância, a sua adolescência. Mariza não. Mariza canta bem. Amália podia, até, cantar mal, que transmitia sentimento, mesmo que pretenso. Não quero tecer comentários torpes à bastante notável Mariza, mas a jovem não sofre, logo está a um passo da genialidade, inatingível dessa forma.
Até no futebol, a mesma coisa. O melhor do Mundo é (ou foi) Pelé. Mas Pelé era levado pela ambição. Subiu na vida. Aos 20 anos tinha o Mundo aos pés e sabia-o. Não passava fome. Não antecipava o seu fim, que nunca chegou. Garrincha, no entanto, era um miserável. A sua única ambição era não passar fome. Conseguiu-a e continuou a jogar futebol, «até saber fazer outras coisas». Era a única coisa que sabia fazer. A sua vida, triste, não o levou mais alto e mais longe. Levou-o apenas ao fim triste que se conhece. Isso faz dele um génio. Que Pelé não é. E do qual Figo é a antítese, ou seja, o «jogador racional», o «executivo de chuteiras» (plágio da expressão de JPC).
Qualquer destas personagens teve a «sina». Em vez da morte sumária e aclamada que outros terão, estes (os génios) morreram cedo. Cedo e, no entanto, parece que começaram a morrer no dia em que nasceram, mais do que qualquer outra. O presságio da desgraça esteve sempre presente em tudo o que faziam, mas em especial no que gostavam e sabiam fazer. O presságio e a representação da dor humana. E é por essa dor, e essa genialidade, que são amados.
Porque o que transforma a espectacularidade em genialidade é o sentimento. Até o mais excelso ser humano pode atingir níveis inumanos no que faz e nunca atingir a genialidade, isso porque não sofre pelo que faz. Gauguin queria ser ofendido. Queria dor, baixeza de modo de vida e exotismo. Em suma, queria sofrer para poder pintar melhor. Não o conseguia. Van Gogh, no entanto, «conseguia». Aliás, van Gogh queria deixar de sofrer. Gauguin queria sofrer como van Gogh, e este queria deixar de ser louco. Gauguin queria ser miserável, van Gogh queria deixar de o ser, sem sucesso (era a sua sina). Apenas um deles era miserável, apenas um deles foi um génio na sua pintura: Vincent van Gogh.
No fado, a mesma coisa. Mariza é, hoje, sem dúvida, uma das grandez «vozes» (note-se a despersonalização) da música portuguesa. Sobretudo, é uma voz honesta e pouco popular. Eu gosto de a ouvir. Amália também cantava, mas cantava a sua vida, a sua infância, a sua adolescência. Mariza não. Mariza canta bem. Amália podia, até, cantar mal, que transmitia sentimento, mesmo que pretenso. Não quero tecer comentários torpes à bastante notável Mariza, mas a jovem não sofre, logo está a um passo da genialidade, inatingível dessa forma.
Até no futebol, a mesma coisa. O melhor do Mundo é (ou foi) Pelé. Mas Pelé era levado pela ambição. Subiu na vida. Aos 20 anos tinha o Mundo aos pés e sabia-o. Não passava fome. Não antecipava o seu fim, que nunca chegou. Garrincha, no entanto, era um miserável. A sua única ambição era não passar fome. Conseguiu-a e continuou a jogar futebol, «até saber fazer outras coisas». Era a única coisa que sabia fazer. A sua vida, triste, não o levou mais alto e mais longe. Levou-o apenas ao fim triste que se conhece. Isso faz dele um génio. Que Pelé não é. E do qual Figo é a antítese, ou seja, o «jogador racional», o «executivo de chuteiras» (plágio da expressão de JPC).
Qualquer destas personagens teve a «sina». Em vez da morte sumária e aclamada que outros terão, estes (os génios) morreram cedo. Cedo e, no entanto, parece que começaram a morrer no dia em que nasceram, mais do que qualquer outra. O presságio da desgraça esteve sempre presente em tudo o que faziam, mas em especial no que gostavam e sabiam fazer. O presságio e a representação da dor humana. E é por essa dor, e essa genialidade, que são amados.
Não sabem o que fazem
Perdoa-as Senhor, que elas não sabem o que fazem. Não sabem nem pensam nisso. As funcionárias (e funcionários) públicas. No seu pequeno feudo por detrás do balcão, nem da corrupção estão livres. Provavelmente cidadãos problemáticos, acabam nos balcões e telefones. Ultrapassado (ou não) o falhanço da carreira, aproveitam para tratar os ignorantes, em busca de informações, como servos da gleba.
Perdoa-as Senhor, por responderem com três palavras a uma pergunta difícil enquanto tapam o bocal do telefone, fazendo esperar um outro desgraçado. Perdoa-as, ainda, por permitirem que o «sôtôr» e o «sô engenheiro» passem à frente dos demais bípedes. E ainda por responderem a perguntas com mais perguntas, dignas de Torquemada. E, sobretudo, por as responderem como se lhes devessem milhares de euros.
Perdoa-as Senhor, porque não sabem o que fazem. E porque não fazem o que sabem.
Perdoa-as Senhor, por responderem com três palavras a uma pergunta difícil enquanto tapam o bocal do telefone, fazendo esperar um outro desgraçado. Perdoa-as, ainda, por permitirem que o «sôtôr» e o «sô engenheiro» passem à frente dos demais bípedes. E ainda por responderem a perguntas com mais perguntas, dignas de Torquemada. E, sobretudo, por as responderem como se lhes devessem milhares de euros.
Perdoa-as Senhor, porque não sabem o que fazem. E porque não fazem o que sabem.
sexta-feira, julho 23, 2004
Sócrates e a reacção salvífica
A histeria é conhecida. Sai um líder fraco, enfraquecido ou fraquejante - Ferro Rodrigues - e prepara-se para entrar um outro que, à sombra dos «clássicos» do PS, foi herdando apoios e «clientela» - José Sócrates. Desanimados, os socialistas procuram um novo fôlego. Ora, Sócrates é visto como um trunfo. Quanto tudo falha, a mais pequena «renovação» é uma grande vitória. Como disse, sai um político em fase descendente, entra outro em ascensão. Ferro por Sócrates. E, assim, renasce a esperança de enfrentar a «extrema-direita» e o «populismo» de Santana. Será assim?
Não. Sócrates é do PS. Apenas e só. Não traz nada de novo. Não traz ideologia. Não traz continuidade. Não é um político forte. É, mais do que populista, um demagogo. Não só diz disparates, como os diz em demasia, e julgando que faz sucesso. Em suma, Sócrates é o Santana Lopes dos socialistas. Diversos militantes ou simpatizantes do PS depositam as suas esperanças no dito senhor para «lutar» pela vitória nas próximas eleições. Mas o senhor engenheiro não traz ideias. Talvez traga «competência», mas não traz ideias. Ferro Rodrigues também não, mas era um apaixonado do socialismo e de um PS verdadeiramente «socialista». Sócrates não era como Guterres com Guterres, não era como Ferro com Ferro e, portanto, quando chegar à liderança do PS (facto quase consumado), não será nada. Será Sócrates, o político do povo, «a oposição de Santana Lopes».
A Europa, nos 20, dividia-se. De um lado, a reacção à modernidade constitucional feita pelo comunismo e pelos socialistas revolucionários, vitoriosos na ex-Rússia czarista. De outro, a reacção ao socialismo e a todo o tipo de influências vindas da União Soviética. Mussolini, Rivera e outros erigiram Estados contra o socialismo e os perigos que este representava. Lenine, Estaline e mais uns ditadores advertiam contra o fascismo e prometiam resposta e segurança contra ele e o capitalismo. Comunismo ou socialismo e fascismo ou autoritarismos de direita cresceram, assim, às custas do outro. Tal como o PSD ganhou a confiança dos eleitores devido à espalhafatosa política orçamental e financeira dos governos do engenheiro Guterres. Tal como o PS surgira como alternativa a Cavaco. Tal como, agora, Sócrates surge como o «Homem Novo» socialista, liberto da brandura guterrista e das ambições do partido.
E, assim, Sócrates, sob a bandeira da «luta» contra o «populismo» e o «oportunismo» (dentro e fora do seu próprio partido), vai, sorrateiramente, sendo, também ele, um pouco oportunista e populista. E não me parece pouco. Afinal, provavelmente, entre ele e Santana apenas variam o tipo de livros que lêem.
Não. Sócrates é do PS. Apenas e só. Não traz nada de novo. Não traz ideologia. Não traz continuidade. Não é um político forte. É, mais do que populista, um demagogo. Não só diz disparates, como os diz em demasia, e julgando que faz sucesso. Em suma, Sócrates é o Santana Lopes dos socialistas. Diversos militantes ou simpatizantes do PS depositam as suas esperanças no dito senhor para «lutar» pela vitória nas próximas eleições. Mas o senhor engenheiro não traz ideias. Talvez traga «competência», mas não traz ideias. Ferro Rodrigues também não, mas era um apaixonado do socialismo e de um PS verdadeiramente «socialista». Sócrates não era como Guterres com Guterres, não era como Ferro com Ferro e, portanto, quando chegar à liderança do PS (facto quase consumado), não será nada. Será Sócrates, o político do povo, «a oposição de Santana Lopes».
A Europa, nos 20, dividia-se. De um lado, a reacção à modernidade constitucional feita pelo comunismo e pelos socialistas revolucionários, vitoriosos na ex-Rússia czarista. De outro, a reacção ao socialismo e a todo o tipo de influências vindas da União Soviética. Mussolini, Rivera e outros erigiram Estados contra o socialismo e os perigos que este representava. Lenine, Estaline e mais uns ditadores advertiam contra o fascismo e prometiam resposta e segurança contra ele e o capitalismo. Comunismo ou socialismo e fascismo ou autoritarismos de direita cresceram, assim, às custas do outro. Tal como o PSD ganhou a confiança dos eleitores devido à espalhafatosa política orçamental e financeira dos governos do engenheiro Guterres. Tal como o PS surgira como alternativa a Cavaco. Tal como, agora, Sócrates surge como o «Homem Novo» socialista, liberto da brandura guterrista e das ambições do partido.
E, assim, Sócrates, sob a bandeira da «luta» contra o «populismo» e o «oportunismo» (dentro e fora do seu próprio partido), vai, sorrateiramente, sendo, também ele, um pouco oportunista e populista. E não me parece pouco. Afinal, provavelmente, entre ele e Santana apenas variam o tipo de livros que lêem.
quinta-feira, julho 22, 2004
Humor
Contaram-me há pouco e achei giro: Manuel Alegre quer-se candidatar à liderança do PS...
Pesos pesados II
O meu caro amigo Bruno respondeu ao meu comentário acerca dos «pesos pesados da política». No fundo, não discordamos em nada. Talvez eu tenha sido marcado pela crença cavaquista de que os ministros têm de ser sensíveis às matérias que discutem. Na mesma linha em que o Bruno, do lado «oposto», confia mais nos «decisores» políticos. Volto a evocar Rui Rio. Rui Rio reúne as duas coisas. Daí concordarmos ambos com o «exemplo» dado pelo senhor na Câmara do Porto. E sendo Nobre Guedes o exemplo contrário (por ser recente a sua nomeação).
Histeria contemporânea
Ainda há algumas semanas, ao saber do «processo» (kafkiano, arriscaria...) que tomava posição no PSD, o processo de substituição do então Primeiro Ministro, Durão Barroso, designado para a Comissão Europeia, por Pedro Santana Lopes, indigitado para encabeçar o PSD e o governo. Não gostei. Nem de Durão Barroso, nem de Santana Lopes, nem do PSD. Mas tudo tem razão.
Não gostei do PSD, como continuo a «não gostar», porque demonstrou, fatalmente, que é um partido sem cérebro. Anos e anos de História não enriqueceram as mentes do partido nem vão enriquecer. Apenas duas coisas orientam o Partido Social Democrata: o «povo» (o eleitorado e as abstractas bases) e o «poder». Ou, por outras palavras, a popularidade e a ambição. Instaurou-se, nas hostes do partido, uma «ditadura da estabilidade», a que se rende tudo o resto, seja preço a pagar a luta política ou, simplesmente, as «ideias».
De Durão Barroso não gostei pela desilusão. Barroso é optimista. Barroso tenta contagiar optimismo. Essa foi a sua postura de Primeiro-Ministro, durante dois anos. Ia no bom caminho, mas aí recai o primeiro problema: dois anos não podem alimentar o optimismo «governamental». Não se pode personificar toda uma política e todo um governo para o abandonar a meio, tão cedo. Rendido à ambição (que não lhe censuro, até pelo contrário), Durão Barroso esqueceu-se do essencial da política: a acção ou o «serviço» públicos (que deixa inacabados); e a aspiração a um lugar na História. Neste último ponto, já fez História. Ninguém se esquece da sua viagem para Bruxelas.
Quanto a Santana Lopes, o caso é diferente. Não simpatizo com o Dr. Santana Lopes, já aqui o referi, talvez. Aliás, não gosto mesmo do homem. Não tem absolutamente nada a ver com a pessoa que é ou poderá ser (não leio as revistas que estão ao corrente da vida sentimental de Santana). Não gosto da «figura política Santana Lopes». É um espectro que, em Portugal, poderá ser uma aberração pois é proibido falar mal de alguém ou de alguma coisa que tenha um passado cristalino e «cristão». Felizmente, não respeito essa «regra de ouro à portuguesa». Não gosto de Santana Lopes porque quer ser conhecido. Porque faz o que faz para ter efeitos rápidos. Porque, enquanto há políticos que agem (por vezes paternalmente, de forma sistemática e irritante) pensando no futuro e no que é melhor para o Zé Povinho sem pensar no que vão responder e não ligando às quase sempre vazias críticas, há outros que agem a pensar na «resposta dos cidadãos», quase diria na resposta do «público». Santana Lopes é assim. Foi-o na Cultura, foi-o na luta pela liderança do Partido, foi-o na Câmara, ameaça sê-lo no governo.
No entanto, é por isto que continuo a não gostar de Santana Lopes. Uma vizinha do início da rua acha que Santana tem «três homens valentes» (os filhos). Outra que Santana é imoral. Outra ainda que este tem muitas mulheres e que só pensa naquilo. Mas nenhuma sabe quem é Santana Lopes, o político. Eu dou-lhe o benefício da dúvida. A vida é feita de surpresas e de reviravoltas. Nos momentos mais inesperados. Se Santana Lopes é mau político, muitos já sabem, ou acham. Se é mau Primeiro-Ministro, precisaremos de muito mais tempo e não de apenas algumas semanas e de um pequeno discurso de tomada de posse. Eu sei porque não gosto de Santana Lopes, e penso que pouco mudará a minha opinião. No entanto, para muitos, Santana continuará a ser o «imoralão» ou o «político das discotecas». E esses, como se sabe, são os primeiros a tentar derrubar o governo. Confiam na histeria, não na História. Numa histeria contemporânea herdada do princípio do século.
Não gostei do PSD, como continuo a «não gostar», porque demonstrou, fatalmente, que é um partido sem cérebro. Anos e anos de História não enriqueceram as mentes do partido nem vão enriquecer. Apenas duas coisas orientam o Partido Social Democrata: o «povo» (o eleitorado e as abstractas bases) e o «poder». Ou, por outras palavras, a popularidade e a ambição. Instaurou-se, nas hostes do partido, uma «ditadura da estabilidade», a que se rende tudo o resto, seja preço a pagar a luta política ou, simplesmente, as «ideias».
De Durão Barroso não gostei pela desilusão. Barroso é optimista. Barroso tenta contagiar optimismo. Essa foi a sua postura de Primeiro-Ministro, durante dois anos. Ia no bom caminho, mas aí recai o primeiro problema: dois anos não podem alimentar o optimismo «governamental». Não se pode personificar toda uma política e todo um governo para o abandonar a meio, tão cedo. Rendido à ambição (que não lhe censuro, até pelo contrário), Durão Barroso esqueceu-se do essencial da política: a acção ou o «serviço» públicos (que deixa inacabados); e a aspiração a um lugar na História. Neste último ponto, já fez História. Ninguém se esquece da sua viagem para Bruxelas.
Quanto a Santana Lopes, o caso é diferente. Não simpatizo com o Dr. Santana Lopes, já aqui o referi, talvez. Aliás, não gosto mesmo do homem. Não tem absolutamente nada a ver com a pessoa que é ou poderá ser (não leio as revistas que estão ao corrente da vida sentimental de Santana). Não gosto da «figura política Santana Lopes». É um espectro que, em Portugal, poderá ser uma aberração pois é proibido falar mal de alguém ou de alguma coisa que tenha um passado cristalino e «cristão». Felizmente, não respeito essa «regra de ouro à portuguesa». Não gosto de Santana Lopes porque quer ser conhecido. Porque faz o que faz para ter efeitos rápidos. Porque, enquanto há políticos que agem (por vezes paternalmente, de forma sistemática e irritante) pensando no futuro e no que é melhor para o Zé Povinho sem pensar no que vão responder e não ligando às quase sempre vazias críticas, há outros que agem a pensar na «resposta dos cidadãos», quase diria na resposta do «público». Santana Lopes é assim. Foi-o na Cultura, foi-o na luta pela liderança do Partido, foi-o na Câmara, ameaça sê-lo no governo.
No entanto, é por isto que continuo a não gostar de Santana Lopes. Uma vizinha do início da rua acha que Santana tem «três homens valentes» (os filhos). Outra que Santana é imoral. Outra ainda que este tem muitas mulheres e que só pensa naquilo. Mas nenhuma sabe quem é Santana Lopes, o político. Eu dou-lhe o benefício da dúvida. A vida é feita de surpresas e de reviravoltas. Nos momentos mais inesperados. Se Santana Lopes é mau político, muitos já sabem, ou acham. Se é mau Primeiro-Ministro, precisaremos de muito mais tempo e não de apenas algumas semanas e de um pequeno discurso de tomada de posse. Eu sei porque não gosto de Santana Lopes, e penso que pouco mudará a minha opinião. No entanto, para muitos, Santana continuará a ser o «imoralão» ou o «político das discotecas». E esses, como se sabe, são os primeiros a tentar derrubar o governo. Confiam na histeria, não na História. Numa histeria contemporânea herdada do princípio do século.
segunda-feira, julho 19, 2004
Eu nasci assim
Já nasci anti-comunista. Não tenho culpa. Lembro-me de, no ensino primário, nos primeiros e rudes desenhos que me eram encomendados, me dedicar ao combate do Leste. Inconscientemente, sem saber da existência de um Muro numa qualquer cidade da Alemanha, na ocupação de alguns países da Europa Oriental por parte da URSS e da Guerra Fria, já desenhava exércitos americanos e exércitos soviéticos. Não sabia o porquê, não sabia o que era «mau» e o que era «bom», ao contrário de alguns meus colegas, que pareciam já simpatizar com o hino da Internacional, orgulhosamente tutorados pelos perversos progenitores. Eu não sabia porquê, mas já não gostava da URSS nem do (palavra feia) comunismo. Mas já admirava os EUA.
Via filmes de guerra produzidos nos Estados Unidos. Desde muito novo. E isso parecia acelerar as minhas projecções, na realidade, do que se passava no meu imaginário, que afinal mostrou não ser assim tão abstracto. Alguns meninos e meninas de ambientes mais soaristas deploravam as minhas admirações, os meus ódios e, pior, os meus hobbies. Lia enciclopédias da Collier's, desenhava bandeiras dos EUA, conhecia algum armamento bélico (em especial aviões) americano e até soviético e admirava a guerra. Receava-a, mas admirava-a. Sabia o que se passava. Ouvia histórias, lia relatos e, o pior de tudo, via fotografias. Os outros miúdos falavam do 25 de Abril, eu falava da 2ª Guerra Mundial e da Coreia (já evitava o tema do Vietname, por tacto em relação à geração dos pais dos meus amigos). Faziam desenhos dos tanques na Avenida da Liberdade, eu desenhava Mig's despenhados.
Enfim, num estudo psicológico pediátrico aprofundado, poder-me-iam diagnosticar alguns problemas. Mas isso não aconteceu.
Não aconteceu porque Portugal não era todo socialista. A minha primeira professora primária, agora que penso nisso, compreendia os meus delírios. Aliás, aplaudia-os. Poucos anos depois, reflectindo, pensava que nunca tinha percebido o porquê daquela compreensão. Agora percebo. Ela respeitava o 25 de Abril, mas pertencia a uma ínfima parcela da população portuguesa que passou o Estado Novo, o PREC e os primeiros governos Constitucionais a admirar, não a «luta antifascista» do PCP, mas a tradição de Liberdade americana. Enquanto os pais, talvez preparando o Avante!, recomendavam Ary dos Santos, ela teimava em prostrar o medíocre poeta comunista aos seus pés e dar-nos a conhecer alguns dos clássicos, como Camões e Pessoa. Foram os dois primeiros poetas que conheci.
Enfim, eu nasci assim. Deplorando as admirações comunistas. Deplorando o, já falecido, senhor de bigodes do Leste e o, ainda estrebuchante, senhor de barbas de Cuba. Admirando o sacrifício nas praias da Normandia, nas Ardenas, em Verdún, no Marne, no Somme. Passando ao lado de Cunhal, Saramago, Lenine e do tão estranhamente adorado Guevara. Desconfiando, até, do diáfano carisma de John Fitzgerald Kennedy, vulgo JFK. Não tive culpa. Não me obrigaram. Podem chamar-lhe preconceito, mas nunca fui nem serei socialista ou (que o Diabo seja cego, surdo e mudo) comunista. Nunca fui. Não acreditava no Bem nem no Mal. Acreditava nos EUA. Gostava, na minha ignorância, de Reagan. E não me enganei.
Não me levem a mal. Mas eu não fui vacinado. Eu sempre fui anti-comunista.
Via filmes de guerra produzidos nos Estados Unidos. Desde muito novo. E isso parecia acelerar as minhas projecções, na realidade, do que se passava no meu imaginário, que afinal mostrou não ser assim tão abstracto. Alguns meninos e meninas de ambientes mais soaristas deploravam as minhas admirações, os meus ódios e, pior, os meus hobbies. Lia enciclopédias da Collier's, desenhava bandeiras dos EUA, conhecia algum armamento bélico (em especial aviões) americano e até soviético e admirava a guerra. Receava-a, mas admirava-a. Sabia o que se passava. Ouvia histórias, lia relatos e, o pior de tudo, via fotografias. Os outros miúdos falavam do 25 de Abril, eu falava da 2ª Guerra Mundial e da Coreia (já evitava o tema do Vietname, por tacto em relação à geração dos pais dos meus amigos). Faziam desenhos dos tanques na Avenida da Liberdade, eu desenhava Mig's despenhados.
Enfim, num estudo psicológico pediátrico aprofundado, poder-me-iam diagnosticar alguns problemas. Mas isso não aconteceu.
Não aconteceu porque Portugal não era todo socialista. A minha primeira professora primária, agora que penso nisso, compreendia os meus delírios. Aliás, aplaudia-os. Poucos anos depois, reflectindo, pensava que nunca tinha percebido o porquê daquela compreensão. Agora percebo. Ela respeitava o 25 de Abril, mas pertencia a uma ínfima parcela da população portuguesa que passou o Estado Novo, o PREC e os primeiros governos Constitucionais a admirar, não a «luta antifascista» do PCP, mas a tradição de Liberdade americana. Enquanto os pais, talvez preparando o Avante!, recomendavam Ary dos Santos, ela teimava em prostrar o medíocre poeta comunista aos seus pés e dar-nos a conhecer alguns dos clássicos, como Camões e Pessoa. Foram os dois primeiros poetas que conheci.
Enfim, eu nasci assim. Deplorando as admirações comunistas. Deplorando o, já falecido, senhor de bigodes do Leste e o, ainda estrebuchante, senhor de barbas de Cuba. Admirando o sacrifício nas praias da Normandia, nas Ardenas, em Verdún, no Marne, no Somme. Passando ao lado de Cunhal, Saramago, Lenine e do tão estranhamente adorado Guevara. Desconfiando, até, do diáfano carisma de John Fitzgerald Kennedy, vulgo JFK. Não tive culpa. Não me obrigaram. Podem chamar-lhe preconceito, mas nunca fui nem serei socialista ou (que o Diabo seja cego, surdo e mudo) comunista. Nunca fui. Não acreditava no Bem nem no Mal. Acreditava nos EUA. Gostava, na minha ignorância, de Reagan. E não me enganei.
Não me levem a mal. Mas eu não fui vacinado. Eu sempre fui anti-comunista.
Bismarck e Napoleão III
Há precisamente cento e trinta e quatro anos, a França de Napoleão III declarava guerra à Prússia «pré-unificação». O grande Estadista germânico era Otto von Bismarck. Manipulou tudo e todos, armas e tratados, exércitos e diplomatas. No fim, em poucos anos, derrotou a França na Guerra Franco-Prussiana de 1870-71, derrotou os resquícios dos genes napoleónicos, uniu os Estados Germânicos debaixo de uma tutela imperialista do Kaiser Guilherme e consolidou, até à chegada de Guilherme II, o Império Alemão.
Pesos pesados
Há dias, o Bruno afirmou que é «completamente despropositada a crítica que por aí se ouve de que Nobre Guedes não tem qualquer formação na área do Ambiente» e que «Nobre Guedes, sendo alguém que tem (quer se goste da sua figura ou não) peso político, poderá emprestar á sua área de governação uma força muito maior do que alguém que toda a vida tratou da mesma área». Já tínhamos comentado algo parecido em relação a Bagão Félix. Concordámos em que Bagão é um homem forte e indicado para o cargo, e que não precisaria de formação específica na área das finanças para «tratar das Finanças». Que quem trata delas são os Secretários de Estado e por aí fora. A minha «crítica» tinha mais a ver com a mudança brusca no Ministério. Visto que as Finanças e os Negócios Estrangeiros são duas pastas que requerem estabilidade, contonuidade e uma representação (uma figura, um ministro) estável e constante.
Nas Finanças, a mudança era inevitável devido à saída de Manuela Ferreira Leite, e confio em Bagão Félix para o cargo, embora tenha alguma aversão a «renovações» no Governo, e em especial nas Finanças.
Nos Negócios Estrangeiros, a nomeação do Dr. Monteiro terá mais a ver, precisamente, com o exterior que com o interior do país, e isso faz-me retrair um pouco. Poderá significar uma viragem na política externa, afastando-se ou aproximando-se do «centro da União Europeia». A minha desconfiança talvez parta do desconhecimento das «crenças» ou «descrenças» europeístas do novo MNE. Como disse, o Governo está, de momento, repleto de «nomes fortes», mas cuja importância real (competência) é desconhecida do cidadão médio, eu incluído.
No entanto, a minha pequena discórdia para com o Bruno parte do seguinte: ele acredita nos «homens fortes» da política. Eu não. Mas também não considero, como Cavaco Silva considerava, a chamada «competência na área» um pré-requisito essencial para formar um Governo coeso. Acredito na experiência e na força de carácter (não falo de carisma nem de teimosia). Rui Rio é um exemplo dessas qualidades que fazem um bom ministro. O Bruno concordará. Agora não acredito no «peso político». Não preciso de pensar muito para me surgirem alguns nomes de «homens fortes» (e mulheres, obviamente) que fizeram disparates, erraram ou, simplesmente, não fizeram nada. Ou de outros pelos quais, no mínimo politicamente, não tenho simpatia nenhuma. Nobre Guedes é um deles.
Nas Finanças, a mudança era inevitável devido à saída de Manuela Ferreira Leite, e confio em Bagão Félix para o cargo, embora tenha alguma aversão a «renovações» no Governo, e em especial nas Finanças.
Nos Negócios Estrangeiros, a nomeação do Dr. Monteiro terá mais a ver, precisamente, com o exterior que com o interior do país, e isso faz-me retrair um pouco. Poderá significar uma viragem na política externa, afastando-se ou aproximando-se do «centro da União Europeia». A minha desconfiança talvez parta do desconhecimento das «crenças» ou «descrenças» europeístas do novo MNE. Como disse, o Governo está, de momento, repleto de «nomes fortes», mas cuja importância real (competência) é desconhecida do cidadão médio, eu incluído.
No entanto, a minha pequena discórdia para com o Bruno parte do seguinte: ele acredita nos «homens fortes» da política. Eu não. Mas também não considero, como Cavaco Silva considerava, a chamada «competência na área» um pré-requisito essencial para formar um Governo coeso. Acredito na experiência e na força de carácter (não falo de carisma nem de teimosia). Rui Rio é um exemplo dessas qualidades que fazem um bom ministro. O Bruno concordará. Agora não acredito no «peso político». Não preciso de pensar muito para me surgirem alguns nomes de «homens fortes» (e mulheres, obviamente) que fizeram disparates, erraram ou, simplesmente, não fizeram nada. Ou de outros pelos quais, no mínimo politicamente, não tenho simpatia nenhuma. Nobre Guedes é um deles.
domingo, julho 18, 2004
A renúncia
Sempre o respeitei. Desde muito novo. «Entrei» na política pela influência dos seus escritos. Fiquei desiludido quando soube da UNESCO. Afinal, a viagem não se vai consumar. Pacheco Pereira fica em Portugal, no mínimo intelectualmente. Ainda bem. Faz muita falta.
Cigarros e delírios
Nos útlimos dias, tenho andado ocupado. Dividindo-me entre cigarros, a descoberta de um concerto para violoncelo de Elgar e pôr a escrita em dia noutro registo e noutro local, tenho-me afastado das ocorrências políticas e da actualidade.
Sobre o governo, penso que (os que lêem moderadamente o blog) sabem o que penso. Não simpatizo especialmente com Santana Lopes. Desconfio do seu governo, e os imponentes nomes que agora o formam não vieram mudar nada, pelo contrário. Simpatizo ainda menos com Nobre Guedes, e não tenho muita confiança na designação «brusca» de Bagão Félix para a sua nova pasta. Em geral, sofro de desconfiança crónica, o que pode afastar quaisquer presságios em especial. Alguns chefes de Estado portugueses diziam que esta choldra é ingovernável. A terem razão, é indiferente quem governa, mas é importante, sim, a orientação dessa mesma governação. Temos de esperar para ver. Quem estiver descontente, que se vá entretendo com o futebol como até aqui, pois terá, dentro de sensivelmente dois anos, a oportunidade de castigar a obra, ou a ausência dela...
Dentro de dias, voltarei a colocar alguns textos. Ou aqui ou no Lusitano. Até lá, o discurso vai sendo muito fraquinho.
Sobre o governo, penso que (os que lêem moderadamente o blog) sabem o que penso. Não simpatizo especialmente com Santana Lopes. Desconfio do seu governo, e os imponentes nomes que agora o formam não vieram mudar nada, pelo contrário. Simpatizo ainda menos com Nobre Guedes, e não tenho muita confiança na designação «brusca» de Bagão Félix para a sua nova pasta. Em geral, sofro de desconfiança crónica, o que pode afastar quaisquer presságios em especial. Alguns chefes de Estado portugueses diziam que esta choldra é ingovernável. A terem razão, é indiferente quem governa, mas é importante, sim, a orientação dessa mesma governação. Temos de esperar para ver. Quem estiver descontente, que se vá entretendo com o futebol como até aqui, pois terá, dentro de sensivelmente dois anos, a oportunidade de castigar a obra, ou a ausência dela...
Dentro de dias, voltarei a colocar alguns textos. Ou aqui ou no Lusitano. Até lá, o discurso vai sendo muito fraquinho.
quarta-feira, julho 14, 2004
O anti-dia
Hoje é um dia de «não-celebração». É, quase diria num plágio rodriguiano, um «anti-dia». Para quem gosta de rever a História numa perspectiva pessoal, poder-se-ia inserir o dia de hoje no período negro da mesma. Imagino que se interroguem quanto a este meu delírio reaccionário. Talvez seja isso mesmo. Mas a razão é outra. Hojé é dia 14 de Julho. Em 1789, durante este dia, era tomada a Bastilha.
É, portanto, um dia simbólico para os franceses, que comemoram, no «Dia da Bastilha», uma representação da Revolução Francesa. A Revolução que abalou profunda e irreversivelmente os regimes monárquicos na Europa. A Revolução que introduziu dois novos conceitos: o sistema republicano e (talvez lado a lado) o sistema ditatorial. A Revolução que é um marco temporal separando iluminismos e nacionalismos. Mas não gosto do dia porque marca, sobretudo, uma Revolução onde rolavam cabeças todo o dia, literalmente...
É, portanto, um dia simbólico para os franceses, que comemoram, no «Dia da Bastilha», uma representação da Revolução Francesa. A Revolução que abalou profunda e irreversivelmente os regimes monárquicos na Europa. A Revolução que introduziu dois novos conceitos: o sistema republicano e (talvez lado a lado) o sistema ditatorial. A Revolução que é um marco temporal separando iluminismos e nacionalismos. Mas não gosto do dia porque marca, sobretudo, uma Revolução onde rolavam cabeças todo o dia, literalmente...
terça-feira, julho 13, 2004
Pissarro
Camille Pissarro, Cote des Boeufs at the Hermitage, 1877
domingo, julho 11, 2004
Noite
É Domingo, de noite. Fumo na varanda, mas não oiço o som da rua. Olho para o céu e imagino a nossa pequenez, no passado e no futuro...
O povo no nevoeiro
Para tristeza de uma larga parcela «anti-governo-de-direita» dos portugueses, a instabilidade não se passa só no principal partido do governo. Ferro Rodrigues, num fulminante acesso de loucura, demitiu-se de secretário-geral do Partido Socialista. Assim, PS e PSD poderão estar frente a uma divisão ou uma «renovação». Na verdade, o que se vai passar nos dois partidos pode ser encarado, provavelmente, como um «saneamento». Ou seja, o povo não gostava de Durão, que era a «cara» do governo. Assim, o PSD vai tentar aproximar-se, à maneira de Santana, dos portugueses. Por outro lado, Ferro Rodrigues já tinha perdido imensa popularidade. O PS está, também, prestes a sofrer uma «renovação». Isto não é estratégia, é solução. No entanto, algo de estranho se passa. Em ambos, instala-se o consenso. No PSD, todos são obrigados a vergar-se perante Santana Lopes. No PS, todos idolatram António Vitorino.
António Vitorino adquiriu, assim, um carácter mítico entre as hostes portugueses. Do jornaleiro ao empresário, passando pelo ignaro yuppie, todos concordam: Vitorino é bom político. Ou por outra, «Vitorino é o melhor político à vista». Porquê tal epitáfio? Será que Vitorino nos salvou de algo? Será que o vulgar português sabe quem é António Vitorino? Sinceramente, admito que pouco sei sobre o senhor. A figura do simpático político do PS e da Comissão Europeia está em todo o lado. É o «homem do momento». Isto tudo porque vivemos numa cultura de futebol: quando um jogador português sai de Portugal para jogar noutro clube europeu, torna-se «bom» e torna-se respeitado, mas, até lá, é apenas mais um. No fundo, iludimo-nos.
Não tenho nada contra o senhor. Pelo contrário, abunda lucidez para um militante do seu partido. E, mesmo por ter essa lucidez, parece-me que não estará muito interessado em tomar a liderança de um partido em período descendente. Sobrevalorizado ou não, são nos grandes momentos que aparecem os grandes homens e as grandes decisões. Mas não façam do senhor um «vencedor do vazio». Deixem-no trabalhar calmamente na Comissão Europeia, no seu cargo actual, coisa que é rara nos tempos que correm.
António Vitorino adquiriu, assim, um carácter mítico entre as hostes portugueses. Do jornaleiro ao empresário, passando pelo ignaro yuppie, todos concordam: Vitorino é bom político. Ou por outra, «Vitorino é o melhor político à vista». Porquê tal epitáfio? Será que Vitorino nos salvou de algo? Será que o vulgar português sabe quem é António Vitorino? Sinceramente, admito que pouco sei sobre o senhor. A figura do simpático político do PS e da Comissão Europeia está em todo o lado. É o «homem do momento». Isto tudo porque vivemos numa cultura de futebol: quando um jogador português sai de Portugal para jogar noutro clube europeu, torna-se «bom» e torna-se respeitado, mas, até lá, é apenas mais um. No fundo, iludimo-nos.
Não tenho nada contra o senhor. Pelo contrário, abunda lucidez para um militante do seu partido. E, mesmo por ter essa lucidez, parece-me que não estará muito interessado em tomar a liderança de um partido em período descendente. Sobrevalorizado ou não, são nos grandes momentos que aparecem os grandes homens e as grandes decisões. Mas não façam do senhor um «vencedor do vazio». Deixem-no trabalhar calmamente na Comissão Europeia, no seu cargo actual, coisa que é rara nos tempos que correm.
sábado, julho 10, 2004
Soares e Sampaio
A questão sofreu diversos impasses, mas foi sendo definida. Pouco a pouco, a crise encaminhava-se apenas para uma saída e apenas para um homem: o Presidente da República. Jorge Sampaio é o actual Presidente. Já não é Mário Soares (para quem veio, recentemente, de outro planeta, Soares é o «velho de Restelo» que perdeu, há largos anos, o sentido das coisas). Se ainda fosse Soares, não tenhamos dúvidas nisto: o PS já estaria, em força, nas televisões a lançar campanha para as próximas eleições antecipadas. Soares tomaria a decisão sozinho, sem pensar, sem consultar ninguém, sem «sentido de Estado» (se é que tal abstracção existe). Sempre diz e fez o que lhe apeteceu, e esta não seria excepção. E, tão longe dos tempos áureos dos seus grandes discursos ao ar livre, cada vez diz e faz mais disparates. Em suma, não se preocupa com o que dizem e pensam dele.
Já Sampaio não é assim. Sampaio pensa no que faz. Mais importante, pensa no que querem que ela venha a fazer e nas consequências que isso terá no imortal imaginário dos portugueses. Soares gostava de decidir, era e é aquilo a que se chama um «mandão»: gosta de ter a última palavra em tudo, mesmo detestando responsabilidades ou não se preocupando com elas. Sampaio é o contrário. Sampaio gosta do papel de «avôzinho simpático». Simplesmente porque é aquilo que ele é. O avô, nos tempos que correm, nada decide. Está sempre lá, mas não decide. Não gosta de decidir nem de se meter na vida dos outros. Dos filhos. Do país. No fundo, é o perfeito Presidente da República tal como, teoricamente, o projectamos: discreto, sensato, calado, optimista e ligeiramente submisso à ditadura da «estabilidade política». Ao contrário de Soares, que é desconfiado, romântico, «velho», arisco, por vezes bruto, e omnisciente. Sampaio, pelo contrário, confia no que faz e confia nos políticos e nos portugueses. Lá está, dá conselhos, nunca ultimatos ou avisos. Mas, na prática, o Presidente da República é uma figura quase monárquica e, como tal, deve demonstrar superioridade e capacidade de decisão, mesmo que esta seja muito esporádica.
Na última semana, recaiu, então, em Jorge Sampaio a palavra final, institucionalmente falando, sobre a resolução da crise política. O tipo de decisão que Soares adorava tomar, com requintes de republicano autoritário. A Esquerda portuguesa sabe das «fraquezas» de Sampaio e, como tal, passou ao ataque. Não sabiam muitos argumentos para lançar ao povo, mas sabiam uma coisa: Sampaio é inseguro. Sampaio quer ser um «bom» Presidente e defender a Democracia. Tem a noção que dele depende muita da ordem política em situações de impasse. A Esquerda explorou tal fraqueza e pressionou-o. PS, BE, PCP e outros seres menores evocaram 25 de Abril, Democracia, Fascismo, Extrema-direita, luta antifascista, populismos e despopulismos, existência de gente sem escrúpulos, o Pato Donald e todas os pequenos nanismos que poderiam aumentar o peso nas costas do Presidente. Resumindo, foram espertos, ardilosos e directos: queriam eleições antecipadas, e tudo indicava que assim seria.
Sampaio, no entanto, foi diferente do costume. Sampaio não gosta de decidir. Como dizia Vasco Pulido Valente há dias, Sampaio gosta de «adiar o inadiável». É aquilo a que, banalmente, se chama de um «apaziguador». No entanto, ontem veio a público e comunicou a decisão. Não haveriam eleições antecipadas. Sampaio, farol do centralismo, esperança da Esquerda apagada, figura do passivismo presidencial, enfrentou as próprias dúvidas e, mesmo que tardiamente, decidiu. E bem, diga-se de passagem. Não há situação para dissolver o Parlamento e, como consequência, muito menos para realizar eleições antecipadas. Sampaio enfrentou a Direita com silêncio e enfrentou a Esquerda com a decisão. Sem sair do seu próprio carácter, foi aquilo que muitos (incluindo eu), até hoje, nunca pensaram que ele era: um político forte.
Já Sampaio não é assim. Sampaio pensa no que faz. Mais importante, pensa no que querem que ela venha a fazer e nas consequências que isso terá no imortal imaginário dos portugueses. Soares gostava de decidir, era e é aquilo a que se chama um «mandão»: gosta de ter a última palavra em tudo, mesmo detestando responsabilidades ou não se preocupando com elas. Sampaio é o contrário. Sampaio gosta do papel de «avôzinho simpático». Simplesmente porque é aquilo que ele é. O avô, nos tempos que correm, nada decide. Está sempre lá, mas não decide. Não gosta de decidir nem de se meter na vida dos outros. Dos filhos. Do país. No fundo, é o perfeito Presidente da República tal como, teoricamente, o projectamos: discreto, sensato, calado, optimista e ligeiramente submisso à ditadura da «estabilidade política». Ao contrário de Soares, que é desconfiado, romântico, «velho», arisco, por vezes bruto, e omnisciente. Sampaio, pelo contrário, confia no que faz e confia nos políticos e nos portugueses. Lá está, dá conselhos, nunca ultimatos ou avisos. Mas, na prática, o Presidente da República é uma figura quase monárquica e, como tal, deve demonstrar superioridade e capacidade de decisão, mesmo que esta seja muito esporádica.
Na última semana, recaiu, então, em Jorge Sampaio a palavra final, institucionalmente falando, sobre a resolução da crise política. O tipo de decisão que Soares adorava tomar, com requintes de republicano autoritário. A Esquerda portuguesa sabe das «fraquezas» de Sampaio e, como tal, passou ao ataque. Não sabiam muitos argumentos para lançar ao povo, mas sabiam uma coisa: Sampaio é inseguro. Sampaio quer ser um «bom» Presidente e defender a Democracia. Tem a noção que dele depende muita da ordem política em situações de impasse. A Esquerda explorou tal fraqueza e pressionou-o. PS, BE, PCP e outros seres menores evocaram 25 de Abril, Democracia, Fascismo, Extrema-direita, luta antifascista, populismos e despopulismos, existência de gente sem escrúpulos, o Pato Donald e todas os pequenos nanismos que poderiam aumentar o peso nas costas do Presidente. Resumindo, foram espertos, ardilosos e directos: queriam eleições antecipadas, e tudo indicava que assim seria.
Sampaio, no entanto, foi diferente do costume. Sampaio não gosta de decidir. Como dizia Vasco Pulido Valente há dias, Sampaio gosta de «adiar o inadiável». É aquilo a que, banalmente, se chama de um «apaziguador». No entanto, ontem veio a público e comunicou a decisão. Não haveriam eleições antecipadas. Sampaio, farol do centralismo, esperança da Esquerda apagada, figura do passivismo presidencial, enfrentou as próprias dúvidas e, mesmo que tardiamente, decidiu. E bem, diga-se de passagem. Não há situação para dissolver o Parlamento e, como consequência, muito menos para realizar eleições antecipadas. Sampaio enfrentou a Direita com silêncio e enfrentou a Esquerda com a decisão. Sem sair do seu próprio carácter, foi aquilo que muitos (incluindo eu), até hoje, nunca pensaram que ele era: um político forte.
Doentes
Em curtas declarações para um canal de televisão, Francisco Louçã e Boaventura Sousa Santos são inquiridos quanto ao falecimento de Maria de Lurdes Pintasilgo. Para além da «consternação», vai mais além. Não resistem. O poder da televisão é enorme. Louçã aproveita para salientar que vivemos «momentos muito tristes» (alusão à situação política) e que a morte de Pintasilgo era mais uma razão para tal. Sousa Santos, recorrendo à sua profunda e douta sapiência, diz, entre outras coisas, que «o Portugal do 25 de Abril está duplamente de luto [pois] deixou-nos uma das personalidades mais marcantes da vida política portuguesa do século XX, que representava muitos dos valores que estão agora em perigo», e acusa Sampaio de «entregar o país de mão beijada às políticas de direita». Sempre achei os dois «doutores» uns perfeitos patetas. Errei. Peço desculpa. São inteligentes e francos. Essa é a maior das verdades. Infelizmente, o problema é outro: Louçã e Boaventura são muito doentes...
PS-a Dra. Pintasilgo (1930-2004) representava quase o oposto da minha visão da política. Encarava a política como uma «missão», como uma oportunidade de fazer o que é imperioso. Encarava o seu «cargo» (nunca o pensou como tal) como de grande responsabilidade salvífica. Era optimista. Era de Esquerda. Mas era profundamente Católica. Não vivi sob a égide da senhora. Nem nunca prestei grande atenção à sua «obra». Era o meu contrário, nunca lhe dei crédito, mas «debatia-se» quando a democracia ainda era parca e indefinida no país, mesmo no lado oposto da «barricada». Precisamente por isso, respeito-a. E, precisamente por isso, lamento a sua morte.
PS-a Dra. Pintasilgo (1930-2004) representava quase o oposto da minha visão da política. Encarava a política como uma «missão», como uma oportunidade de fazer o que é imperioso. Encarava o seu «cargo» (nunca o pensou como tal) como de grande responsabilidade salvífica. Era optimista. Era de Esquerda. Mas era profundamente Católica. Não vivi sob a égide da senhora. Nem nunca prestei grande atenção à sua «obra». Era o meu contrário, nunca lhe dei crédito, mas «debatia-se» quando a democracia ainda era parca e indefinida no país, mesmo no lado oposto da «barricada». Precisamente por isso, respeito-a. E, precisamente por isso, lamento a sua morte.
quinta-feira, julho 08, 2004
O bom rumo
Sabemos que há crise política (e não só) quando:
- Políticos de aparelho e populistas atropelam verdadeiros «senhores» da política, na senda do poder;
- Esses mesmo políticos afirmam que as tentativas de perturbação «não têm igual na História das democracias contemporâneas»;
- Na oposição, o Clube dos Poetas Mortos ressurge, no meio da vida política, para afirmar o seu empenhamento na luta contra a «gente sem escrúpulos»;
- O Presidente da República vai vendo uns jogos de futebol enquanto não decide actuar sobre os impasses da «sociedade política»;
- O líder do partido do governo tem de ser o líder do próprio governo;
- Todos se desiludem com a política...
- Políticos de aparelho e populistas atropelam verdadeiros «senhores» da política, na senda do poder;
- Esses mesmo políticos afirmam que as tentativas de perturbação «não têm igual na História das democracias contemporâneas»;
- Na oposição, o Clube dos Poetas Mortos ressurge, no meio da vida política, para afirmar o seu empenhamento na luta contra a «gente sem escrúpulos»;
- O Presidente da República vai vendo uns jogos de futebol enquanto não decide actuar sobre os impasses da «sociedade política»;
- O líder do partido do governo tem de ser o líder do próprio governo;
- Todos se desiludem com a política...
quarta-feira, julho 07, 2004
Actor B
Toda a gente adula os «grandes» actores. De Niro, Pacino, Hanks, Williams. Toda a gente os idolatra não apenas por seres bons no que fazem. Mas também porque sabem que ficarão na História do cinema. É humano gostar do que é famoso. Mas quem gosta de cinema tem outras fixações. Na mesma senda dos «ódios de estimação», mas sem querer nenhum mal aos senhores (e senhoras), estão os actores de série B. Aqueles actores que todos nos habituámos a ver mas que não nos lembramos de qualquer filme protagonizado por eles. Tal como não nos lembramos de nenhum desses actores sem o ver (não me lembro de nenhum).
No entanto, um vem-me à memória: Eric Roberts. Talvez a sua fama venha da família, para quem acha a senhora Julia roberts um portento. A verdade é que, para quem chega a casa depois das 3 da manhã e liga o televisor em busca de algo para ver, tem muitas probabilidades de apanhar um filme do senhor. Agora, assim, sem pensar, lembro-me (não me lembro, fui pesquisar) de alguns títulos de filmes: Best Of The Best (1989), By The Sword (1991), Love Is A Gun (1994), The Immortals (1995), o espectacular The Shadow Men (1998), o «aclamado» Restraining Order (1999) e, entre outros, um que vi recentemente, Hitman's Run (1999), que passou logo para o lote dos meus favoritos (momento alto do filme: perseguição a alta velocidade com armas de elvado teor bélico).
Vendo-o «trabalhar», é difícil adivinhar a quantidade de trabalhos que lhe são oferecidos. O Sr. Roberts fez muitos filmes. Daqueles que o imortalizam. Daqueles que, ninguém sabendo como, o colocarão na memória de todos nós, lado a lado com Stallone ou Schwarzenegger.
A guerra
Para mim, a guerra atinge extremos opostos. A guerra em si, a trágica dimensão do conflito, é, precisamente por ser o reflexo da natureza do Homem, o objectivo último do ser humano: a destruição do inimigo, do adversário, do igual. E isso é, obviamente, um destino irremediavelmente terrível.
No entanto, a arte sobrevive apenas enquanto existir tragédia. Enquanto existir sofrimento. E o cinema insere-se, perfeitamente, na arte que pode ser apelidada de «abutre». Os filmes de guerra são o posto da própria. A natureza «terrível» do Homem atinge, no ecrã, uma dimensão não mítica, não heróica, mas crua. O Homem mata para não morrer. Não mata pelos EUA, Alemanha, Itália, China, mas por si. Em suma, para salvar o próprio coiro. E, em geral, dos melhores amigos. O Homem gosta do momento em que mata e vê morrer, mas tem aversão à Morte em si. Ao momento da morte. Recusa-se a ver desaparecer a expressão de vida da cara de outro. Porque o inimigo muda de dimensão quando cai. O soldado não tem cara. O morto tem.
Apesar da iminência da morte, o cidadão médio é capaz de se alistar para participar e contribuir em combate. Pela Pátria? Não. Perante a vida e a família, a Pátria não existe. O Homem combate pelo seu «lar». Combate pala família. Um português com toda a família emigrada na Alemanha, não combate por Portugal. Combateria pela Alemanha não por Portugal. Essa é a grande ilusão nacionalista.
Marx errou. O objectivo histórico não é a eliminação das classes. O objectivo da História, do Homem e da civilização é, desde sempre, um fulcral: salvar o coiro.
No entanto, a arte sobrevive apenas enquanto existir tragédia. Enquanto existir sofrimento. E o cinema insere-se, perfeitamente, na arte que pode ser apelidada de «abutre». Os filmes de guerra são o posto da própria. A natureza «terrível» do Homem atinge, no ecrã, uma dimensão não mítica, não heróica, mas crua. O Homem mata para não morrer. Não mata pelos EUA, Alemanha, Itália, China, mas por si. Em suma, para salvar o próprio coiro. E, em geral, dos melhores amigos. O Homem gosta do momento em que mata e vê morrer, mas tem aversão à Morte em si. Ao momento da morte. Recusa-se a ver desaparecer a expressão de vida da cara de outro. Porque o inimigo muda de dimensão quando cai. O soldado não tem cara. O morto tem.
Apesar da iminência da morte, o cidadão médio é capaz de se alistar para participar e contribuir em combate. Pela Pátria? Não. Perante a vida e a família, a Pátria não existe. O Homem combate pelo seu «lar». Combate pala família. Um português com toda a família emigrada na Alemanha, não combate por Portugal. Combateria pela Alemanha não por Portugal. Essa é a grande ilusão nacionalista.
Marx errou. O objectivo histórico não é a eliminação das classes. O objectivo da História, do Homem e da civilização é, desde sempre, um fulcral: salvar o coiro.
terça-feira, julho 06, 2004
Cristo
Delacroix, The Entombment of Christ, 1848
segunda-feira, julho 05, 2004
Gravata da sorte
Pacheco Pereira faz um apanhado iconográfico da epidemia do Euro:
1) A gravata da sorte do Primeiro-ministro.
2) O balneário como local onde se aprisionam os demónios do azar.
3) As meninas a cantarem o “Com uma força” transformado em “come-me à força”.
4) Uma portuguesa segura uma estátua de N. S. de Fátima com um cachecol da selecção.
5) A bandeira com os pagodes chineses.
6) A blusa patriótica da Senhora do Presidente da República.
Não poderia deixar de concordar e rir no meu interior com tantas personalidades e personagens misturadas umas com as outras.
1) A gravata da sorte do Primeiro-ministro.
2) O balneário como local onde se aprisionam os demónios do azar.
3) As meninas a cantarem o “Com uma força” transformado em “come-me à força”.
4) Uma portuguesa segura uma estátua de N. S. de Fátima com um cachecol da selecção.
5) A bandeira com os pagodes chineses.
6) A blusa patriótica da Senhora do Presidente da República.
Não poderia deixar de concordar e rir no meu interior com tantas personalidades e personagens misturadas umas com as outras.
A greve
Converso com um amigo. Em amena cavaqueira pergunto-lhe se, este ano, foi tocado pelo espírito grevista. É que deixou de escrever no blog no 1º de Maio. Até hoje, continua de greve...
Nostalgia destruída
Vou à FNAC e dou uma olhadela, como sempre, à secção dos DVD's importados. Encontro Taxi Driver, talvez o maior filme de sempre (melhor filme de um dos melhores realizadores e do melhor actor). As mãos tremem mas agarram, imediatamente, a genial obra de arte. Na euforia de tal pequena vitória, ando uns passos. Viro a caixa... e aí veio a desilusão. Importado da França. Tudo em francês. Começo a imaginar o maior filme de sempre dobrado em francês. Tranquilizo-me ao ver que tem tudo na versão original. Não é o suficiente. Clássicos americanos tocados pela indústria francesa são produto proibido cá em casa. Truffaut e Goddard são benvindos na língua gaulesa. Scorcese não. De Niro muito menos. Taxi Driver fica para outro dia.
A República totalitária
A República tem uma aura de infalibilidade que é pouco comum na História e na Política. Falar de República é, supostamente, falar de estabilidade, de «universalismo», de liberdade e de igualdade. Mas a que preço? Em todos os regimes políticos há um preço a pagar pelos benefícios sociais e políticos existentes. A República nasceu com um preço muito pesado: aquilo a que se pode chamar «vontade». Não há, propriamente, vontade individual.
Como se sabe, da malograda Revolução Francesa de 1789 nasceu um «movimento» que poucos esquecem: o «jacobinismo». Foi clube, grupo, movimento, partido, tendência, característica e nome ofensivo.
O jacobinismo nasceu, originalmente, do Clube Jacobino. Fundado em 1789, atingiu o seu auge de radicalismo sob a liderança de Robespierre. Fechou em 1794, depois de retirado do poder, mas reabriu, apenas sendo extinto em 1799.
Tinha como premissas a centralização do poder e uma República una e indivisível, premissas essas que dependiam uma da outra.
Actualmente, o nome «jacobino» é atribuído a políticos e partidos que adoptam esta visão centralizadora em oposição e relação de independência entre os órgãos de poder local e o poder central.
Durante a Revolução, foi considerado movimento da ala esquerda. Depois desse período conturbado, a sua influência estendeu-se, entre outros, à direita (e à extrema-direita), e ao Partido Comunista Francês.
Maximilien Robespierre (1758-1794)
Dentro dos «jacobinos», destacou-se uma figura indelével no que toca ao legado do «Terror» da República (1793-94) e da lição de «governo violento». Enaltecia «O Povo». Recorria a Rousseau. Morreu decapitado, às mãos do seu próprio reino de terror. Nunca foi considerado um ditador na concepção contemporânea do termo, mas, embora muitos o relacionem com a génese do socialismo e do comunismo, também é bem conhecida a sua face que muitos consideram precursora do totalitarismo do séc. XX.
Como se sabe, da malograda Revolução Francesa de 1789 nasceu um «movimento» que poucos esquecem: o «jacobinismo». Foi clube, grupo, movimento, partido, tendência, característica e nome ofensivo.
O jacobinismo nasceu, originalmente, do Clube Jacobino. Fundado em 1789, atingiu o seu auge de radicalismo sob a liderança de Robespierre. Fechou em 1794, depois de retirado do poder, mas reabriu, apenas sendo extinto em 1799.
Tinha como premissas a centralização do poder e uma República una e indivisível, premissas essas que dependiam uma da outra.
Actualmente, o nome «jacobino» é atribuído a políticos e partidos que adoptam esta visão centralizadora em oposição e relação de independência entre os órgãos de poder local e o poder central.
Durante a Revolução, foi considerado movimento da ala esquerda. Depois desse período conturbado, a sua influência estendeu-se, entre outros, à direita (e à extrema-direita), e ao Partido Comunista Francês.
Maximilien Robespierre (1758-1794)
Dentro dos «jacobinos», destacou-se uma figura indelével no que toca ao legado do «Terror» da República (1793-94) e da lição de «governo violento». Enaltecia «O Povo». Recorria a Rousseau. Morreu decapitado, às mãos do seu próprio reino de terror. Nunca foi considerado um ditador na concepção contemporânea do termo, mas, embora muitos o relacionem com a génese do socialismo e do comunismo, também é bem conhecida a sua face que muitos consideram precursora do totalitarismo do séc. XX.
sábado, julho 03, 2004
Marlon Brando (1924-2004)
Para muitos o melhor actor de sempre. Sem exagero. Sem elogios «na hora da morte». Brando morreu. Aos 80 anos deixa-nos uma vida de não muitos filmes famosos, mas um testemunho de grande porte artístico. Enquanto, para quase todos, das gerações mais novas, a confirmação foi com Apocalypse Now e The Godfather, para mim, este actor ficou imortal, sobretudo, por On The Waterfront, vulgarmente chamada de Há Lodo No Cais (Elia Kazan, 1954).
Muitos dizem que morreu duas vezes. Outros que ainda não morreu. Mas, para todos, imortalizou-se muito antes de dar o último suspiro.
Muitos dizem que morreu duas vezes. Outros que ainda não morreu. Mas, para todos, imortalizou-se muito antes de dar o último suspiro.
sexta-feira, julho 02, 2004
Enigma
- Gustave Doré, Enigma
Compromise, Mr. Compromise
O site da Economist é claro. Mas pouco diz de novo. Durão Barroso é um homem feliz. Feliz porque ascende onde nunca sonhou ascender, apesar da sua inegável capacidade e aptidão para cargos de responsabilidade e, sobretudo, para cargos de centralismo europeu. Acredita na Europa, mais do que em Portugal, eis a grande razão da sua partida. A Economist chama-lhe «Sr. Compromisso»:
AFTER much squabbling, the 25 member governments of the enlarged European Union have settled on who will succeed Italy’s Romano Prodi as the president of the EU’s executive arm, the European Commission. José Manuel Durão Barroso, currently prime minister of Portugal, is a widely respected figure from the centre-right but he is also a compromise figure. He was hardly anyone’s first choice, rather the best remaining option once those candidates that offended one or more of the EU’s biggest members were eliminated from the race. On Tuesday June 29th, EU heads of government met in Brussels to nominate Mr Durão Barroso to the job. If, as expected, he is confirmed by the European Parliament in a vote next month, he will take over in November.
(...)
The consensus behind Mr Durão Barroso may have been constructed with the help of a number of such backroom deals, in which various other juicy EU jobs that are up for grabs are shared around. At their summit, the EU leaders re-appointed Javier Solana, a Spaniard, as the “high representative” for foreign policy (a fief he shares with Mr Patten, the external-relations commissioner). Mr Solana is now likely to become the EU's first “foreign minister” if and when his and Mr Patten's jobs are combined under the new constitution in 2007 or later. And Pierre de Boissieu, a Frenchman, will retain his influential post running the secretariat that co-ordinates policy-setting meetings of EU ministers.
Mr Durão Barroso’s most enthusiastic backers will expect him to hold to his liberal economic line. Will he succeed? As a clearly last-ditch candidate for his job, rather than a powerful figure who had strong support from the beginning, he may start off in a weak position. Pessimists are already comparing him to Jacques Santer, Mr Prodi’s predecessor, who was a weak compromise figure who accomplished little in office before his commission was brought down by a petty-fraud scandal.
The choice of Mr Durão Barroso does not answer Henry Kissinger’s famous question, of who to ring if he wanted to speak to the leader of Europe. That job—the new, full-time presidency of the European Council, will be the subject of another bunfight at a later date. But at least the EU now has a new head for its executive arm and an agreed constitution. However, the hard work is far from over. Ten or more countries may hold referendums on the constitution and in several—especially Britain and Poland—the voters could say no. All 25 countries must ratify the document or it is dead. And the difficulty in reaching the final document—leaving the French and Germans sour that Britain stopped it being a federalist triumph—will mean that Mr Durão Barroso will begin his job in a climate of lingering bitterness. The compromise candidate will no doubt need all his skills to craft compromises of his own.
- Economist.com, 29/6/2004
AFTER much squabbling, the 25 member governments of the enlarged European Union have settled on who will succeed Italy’s Romano Prodi as the president of the EU’s executive arm, the European Commission. José Manuel Durão Barroso, currently prime minister of Portugal, is a widely respected figure from the centre-right but he is also a compromise figure. He was hardly anyone’s first choice, rather the best remaining option once those candidates that offended one or more of the EU’s biggest members were eliminated from the race. On Tuesday June 29th, EU heads of government met in Brussels to nominate Mr Durão Barroso to the job. If, as expected, he is confirmed by the European Parliament in a vote next month, he will take over in November.
(...)
The consensus behind Mr Durão Barroso may have been constructed with the help of a number of such backroom deals, in which various other juicy EU jobs that are up for grabs are shared around. At their summit, the EU leaders re-appointed Javier Solana, a Spaniard, as the “high representative” for foreign policy (a fief he shares with Mr Patten, the external-relations commissioner). Mr Solana is now likely to become the EU's first “foreign minister” if and when his and Mr Patten's jobs are combined under the new constitution in 2007 or later. And Pierre de Boissieu, a Frenchman, will retain his influential post running the secretariat that co-ordinates policy-setting meetings of EU ministers.
Mr Durão Barroso’s most enthusiastic backers will expect him to hold to his liberal economic line. Will he succeed? As a clearly last-ditch candidate for his job, rather than a powerful figure who had strong support from the beginning, he may start off in a weak position. Pessimists are already comparing him to Jacques Santer, Mr Prodi’s predecessor, who was a weak compromise figure who accomplished little in office before his commission was brought down by a petty-fraud scandal.
The choice of Mr Durão Barroso does not answer Henry Kissinger’s famous question, of who to ring if he wanted to speak to the leader of Europe. That job—the new, full-time presidency of the European Council, will be the subject of another bunfight at a later date. But at least the EU now has a new head for its executive arm and an agreed constitution. However, the hard work is far from over. Ten or more countries may hold referendums on the constitution and in several—especially Britain and Poland—the voters could say no. All 25 countries must ratify the document or it is dead. And the difficulty in reaching the final document—leaving the French and Germans sour that Britain stopped it being a federalist triumph—will mean that Mr Durão Barroso will begin his job in a climate of lingering bitterness. The compromise candidate will no doubt need all his skills to craft compromises of his own.
- Economist.com, 29/6/2004
Partidos
A forma como, sem que a opinião pública de tal se apercebesse, Santana Lopes foi tomando conta do PSD, pé ante pé e apesar de ter sido sempre claramente derrotado nos Congressos a que concorreu sozinho mostra o estado de anomia a que chegou aquele partido. Mais: a força política que na primeira década e meia da democracia portuguesa mais inconformismo mostrou em relação aos seus próprios líderes conseguiu, no espaço de pouco mais de um mês, render-se primeiro ao unanimismo em torno de Barroso e, depois, deixar meia dúzia de velhas referências a falar sozinhas contra uma liderança que muitos sentem impalatável e contraditória com as tradições do próprio PSD.
O que se passou? Passou-se que o PSD foi mudando de carácter e aquilo que fazia a sua originalidade dos tempos fundadores da democracia portuguesa - ser um partido de quadros e um partido de militantes - perdeu-se. Hoje é antes do mais uma máquina de conquista e divisão do poder, onde têm um peso determinante as "distritais" - isto é, o aparelho - e os autarcas. Esta máquina vai sendo alimentada pelas juventudes do partido, treinadas na intriga política, incapazes de atrair os melhores - pior: especializadas em afastá-los.
(...)
A natureza humana vem por fim ao de cima em momentos como o que vivemos, e o instinto de sobrevivência cala os descontentes ou remete-os para a intriga e para as declarações "off". Raros são os que dizem alto o que lhes vai na alma. Os que mostram desprendimento e coragem. Para não falar de coerência.
(...)
- José Manuel Fernandes, in Público, 1/7/2004
O que se passou? Passou-se que o PSD foi mudando de carácter e aquilo que fazia a sua originalidade dos tempos fundadores da democracia portuguesa - ser um partido de quadros e um partido de militantes - perdeu-se. Hoje é antes do mais uma máquina de conquista e divisão do poder, onde têm um peso determinante as "distritais" - isto é, o aparelho - e os autarcas. Esta máquina vai sendo alimentada pelas juventudes do partido, treinadas na intriga política, incapazes de atrair os melhores - pior: especializadas em afastá-los.
(...)
A natureza humana vem por fim ao de cima em momentos como o que vivemos, e o instinto de sobrevivência cala os descontentes ou remete-os para a intriga e para as declarações "off". Raros são os que dizem alto o que lhes vai na alma. Os que mostram desprendimento e coragem. Para não falar de coerência.
(...)
- José Manuel Fernandes, in Público, 1/7/2004
quinta-feira, julho 01, 2004
O que somos
Portugal tem uma vincada imagem projectada na Europa. Mais, os portugueses têm uma forte personalidade projectada. Mais do que virtudes, temos as nossas «fraquezas» e aspectos corriqueiros projectados no mesmo espaço. Desde sempre. Os «turistas do futebol» (e não só, porque o Verão nunca viveu de Europeus) vêm cá e afirmam: «são simpáticos», «são acolhedores», «boa comida», «bom ambiente». Nunca, na História de Portugal, um turista afirmou: «os portugueses são inteligentes», «estou surpreendido pela destreza que demonstram em tudo», «país desenvolvido», «população culta», «sóbrios e lúcidos». Não, somos conhecidos pelo que somos: simples. Palermas mas simples, e isso faz de nós únicos e com muito potencial.
Lembrava-me o meu, já falecido, avô as aventuras dos clubes de futebol portugueses nas competições europeias. Mas em especial um grande clube: o Vitória de Setúbal. Isto passou-se em finais da década de 40. A boa prestação no campeonato tinha-nos projectado para uma competição europeia. Ao que sei, quando chegou a altura de viajar para a Holanda (ou outro país da Europa, não sei) para disputar a «2ª mão» da eliminatória, a famelga partiu em peso. Jogadores e treinadores, massagistas e curiosos, que eram, ao mesmo tempo, primos e vizinhos - a amizade dos jogadores era anterior à existência da bola de futebol, era a amizade dos homens.
O destino situa, então, os jogadores num hotel de luxo (talvez de «três estrelas»). Dois deles, poucos minutos depois de chegar ao quarto, foram vistos a sair do hotel. E, novamente, minutos depois, a entrar no quarto. A verdade foi descoberta no dia da partida. Atribuíram, na casa-de-banho do quarto, a função de lavatório ao vulgarmente célebre «bidé». Por outro lado, num ímpeto dadaísta, transformaram o lavatório num canteiro de flores, cheio de terra e já com sementes plantadas, que haviam ido comprar assim que chegaram ao quarto. E assim partiu a comitiva do Vitória de Setúbal: alegre, amável, generosa, simples, ignorante.
É por isto que qualquer um distingue o português em qualquer canto do planeta. A simplicidade faz o génio - gosto de pensar assim.
Lembrava-me o meu, já falecido, avô as aventuras dos clubes de futebol portugueses nas competições europeias. Mas em especial um grande clube: o Vitória de Setúbal. Isto passou-se em finais da década de 40. A boa prestação no campeonato tinha-nos projectado para uma competição europeia. Ao que sei, quando chegou a altura de viajar para a Holanda (ou outro país da Europa, não sei) para disputar a «2ª mão» da eliminatória, a famelga partiu em peso. Jogadores e treinadores, massagistas e curiosos, que eram, ao mesmo tempo, primos e vizinhos - a amizade dos jogadores era anterior à existência da bola de futebol, era a amizade dos homens.
O destino situa, então, os jogadores num hotel de luxo (talvez de «três estrelas»). Dois deles, poucos minutos depois de chegar ao quarto, foram vistos a sair do hotel. E, novamente, minutos depois, a entrar no quarto. A verdade foi descoberta no dia da partida. Atribuíram, na casa-de-banho do quarto, a função de lavatório ao vulgarmente célebre «bidé». Por outro lado, num ímpeto dadaísta, transformaram o lavatório num canteiro de flores, cheio de terra e já com sementes plantadas, que haviam ido comprar assim que chegaram ao quarto. E assim partiu a comitiva do Vitória de Setúbal: alegre, amável, generosa, simples, ignorante.
É por isto que qualquer um distingue o português em qualquer canto do planeta. A simplicidade faz o génio - gosto de pensar assim.
Menos ais
Gosto de futebol. Disso não tenho dúvidas. Até gostava do que rodeia o futebol. Até estes últimos dias...
Acordo, hoje, com o eco das buzinas, tachos, urros, uivos, gritos estridentes, na cabeça. Especial destaque tem a imagem do vizinho chinês que, não sabendo qualquer palavra de português, faz mais barulho que qualquer grupo de portuguesinhos anafados. Tentava ontem ver televisão, em vão. Não ouvia nada. O som era insuportável.
Às vezes rezo para que Portugal perca depressa. Joguem bem e percam melhor. Assim só eu ficava contente. Porque nem todos gostam de futebol. Mas todos gostam da confusão e desdenham a festa alheia.
Por vezes gostava que o futebol começasse quando ligo a televisão e acabasse quando a desligo. Dormiria mais descansado...
Acordo, hoje, com o eco das buzinas, tachos, urros, uivos, gritos estridentes, na cabeça. Especial destaque tem a imagem do vizinho chinês que, não sabendo qualquer palavra de português, faz mais barulho que qualquer grupo de portuguesinhos anafados. Tentava ontem ver televisão, em vão. Não ouvia nada. O som era insuportável.
Às vezes rezo para que Portugal perca depressa. Joguem bem e percam melhor. Assim só eu ficava contente. Porque nem todos gostam de futebol. Mas todos gostam da confusão e desdenham a festa alheia.
Por vezes gostava que o futebol começasse quando ligo a televisão e acabasse quando a desligo. Dormiria mais descansado...
quarta-feira, junho 30, 2004
Entrada
Novo blog. E de valor. A política monopoliza os temas. O que o torna muito bom. Por convite, também participo ocasionalmente. Mas não adiciono grandes ideias às já lá existentes.
A conferência aguardada
Ontem, duas conferências estavam marcadas. Uma de Scolari. Outra do ainda primeiro-ministro Durão Barroso. O povo ligou as televisões. Juntou-se em cafés com criaturas congéneres. Em frente à televisão do trabalho. Em écrãs gigantes. Quem esperavam? Scolari veio e, aparentemente, falou. Do primeiro-ministro, nem sombras. Tudo de volta ao almoço e ao trabalho. Afinal, quem é Durão Barroso?
Venice
Venice, J.M.W. Turner, 1841
terça-feira, junho 29, 2004
A República Irreal
Há uma ideia comum assente na generalidade dos portugueses. Especialmente naqueles historicamente mais negligentes. A ideia de que a implantação da República em 1910 trouxe democracia, liberdade e, importante, trouxe o poder para junto do povo. Ou seja, que o povo passaria a, mais ou menos rigorosamente, ter conhecimento do poder e, através da transparência desta, interceder junto do governo. Assim não foi. Os republicanos eram uma elite «esclarecida», no sentido iluminista mas também no sentido da educação. Por outro lado, o povo ansiava, como sempre, por uma ordem tradicional: democrática mas forte. Ainda hoje os portugueses (e não falo dos octogenários) procuram a convergência desses dois pontos. A República não tinha nem um nem outro.
Democracia era ainda uma palavra muito leve no princípio do séc. XX português. Apenas se imaginava o que era. A monarquia era, então, menos nacionalista, mais liberal e mais tradicional do que muitas outras casas reais europeias. No entanto, tinha uma fraqueza - o próprio regime, e a estrutura política em que assentava, foi-lhe retirado, tal como os apoios, e desmoronou-se em poucos anos. A República tinha um ideal, uma «utopia realizável», mas que nunca concretizou. Os republicanos não confiavam na população nem nos próprios partidários. A população não confiava na República. Aliás, não tinha uma única palavra a dizer. As decisões cabiam a um reduzido conjunto de letrados que, num ambiente de sectarismo, se tornavam a única «população» de confiança do regime republicano. O povo continuava o que sempre foi: analfabeto. Mas o paternalismo republicano ofendia.
Depois é a força do governo. Politicamente, era forte. Na verdade, nos seus inícios, adquiriu um carácter ditatorial e, por vezes, totalitário. Apregoava-se então o laicismo incondicional de tudo o que era instituição pública. Afonso Costa foi um ícone desta tendência. Em suma, o Estado não só não tinha religião nem «ideologia» exclusiva como as acabava por proibir. Ao proibir religiões (como escolha pessoal) e desprezar conservadores e outras tendências, perdia a sua linha de força: imparcialidade. Tornava-se interventivo e arbitrário. Mas nunca tocava as vidas das pessoas. As pessoas queriam segurança e ordem. Mas a «luta» e a reacção davam-se num patamar «superior», fora do quotidiano popular. Todos queriam o poder e a concretização pessoal, por isso, nenhum a garantiu ou estabilizou.
Num seguimento de mudanças de governo, de Presidente, de golpes de Estado, de contestações operárias, a República apodreceu e tornou-se pouco mais do que isto: um erro. De gerência, de projecto ou de destino, não se sabe ao certo. O certo é que durante 16 anos o povo perdeu ilusões (que a maioria nunca chegou a ter). República e Portugal sempre foram dois conceitos meio distantes, que teimavam em caminhar a ritmos diferentes. A cegueira republicana foi causa e consequência dessa realidade. A República acabou como começou: nos círculos de intelectuais, longe do Zé Povinho.
Democracia era ainda uma palavra muito leve no princípio do séc. XX português. Apenas se imaginava o que era. A monarquia era, então, menos nacionalista, mais liberal e mais tradicional do que muitas outras casas reais europeias. No entanto, tinha uma fraqueza - o próprio regime, e a estrutura política em que assentava, foi-lhe retirado, tal como os apoios, e desmoronou-se em poucos anos. A República tinha um ideal, uma «utopia realizável», mas que nunca concretizou. Os republicanos não confiavam na população nem nos próprios partidários. A população não confiava na República. Aliás, não tinha uma única palavra a dizer. As decisões cabiam a um reduzido conjunto de letrados que, num ambiente de sectarismo, se tornavam a única «população» de confiança do regime republicano. O povo continuava o que sempre foi: analfabeto. Mas o paternalismo republicano ofendia.
Depois é a força do governo. Politicamente, era forte. Na verdade, nos seus inícios, adquiriu um carácter ditatorial e, por vezes, totalitário. Apregoava-se então o laicismo incondicional de tudo o que era instituição pública. Afonso Costa foi um ícone desta tendência. Em suma, o Estado não só não tinha religião nem «ideologia» exclusiva como as acabava por proibir. Ao proibir religiões (como escolha pessoal) e desprezar conservadores e outras tendências, perdia a sua linha de força: imparcialidade. Tornava-se interventivo e arbitrário. Mas nunca tocava as vidas das pessoas. As pessoas queriam segurança e ordem. Mas a «luta» e a reacção davam-se num patamar «superior», fora do quotidiano popular. Todos queriam o poder e a concretização pessoal, por isso, nenhum a garantiu ou estabilizou.
Num seguimento de mudanças de governo, de Presidente, de golpes de Estado, de contestações operárias, a República apodreceu e tornou-se pouco mais do que isto: um erro. De gerência, de projecto ou de destino, não se sabe ao certo. O certo é que durante 16 anos o povo perdeu ilusões (que a maioria nunca chegou a ter). República e Portugal sempre foram dois conceitos meio distantes, que teimavam em caminhar a ritmos diferentes. A cegueira republicana foi causa e consequência dessa realidade. A República acabou como começou: nos círculos de intelectuais, longe do Zé Povinho.
Cão
Decerto toda a gente conhece, já conheceu, ou estabeleceu contacto com essa magnânime criatura que é o «galã», o «playboy», o «tipo das tipos», enfim, o idiota. O idiota é rico em histórias e em aventuras. O mito construído em redor do jovem (é sempre jovem, mesmo aos 50, não chega à maturidade) torna-se completamente indestrutível. Reza a lenda que por ali já passaram mais de 100 fêmeas. Outros vão mais longe e apostam num número com quatro algarismos. Outros perdem a conta. Outros, desafortunados, choram de admiração. No entanto, no cúmulo da idiotice, no apogeu da sua anti-inteligência, os imberbes energúmenos são matéria de gozo e, ao mesmo tempo, de desdém. Moldaram o pensamento masculino a uma anárquica poligamia. A esses, diz-se, a angústia não chega, porque não falta o amor. São amados por todas. Por conseguinte, têm todas. E fazem, eles mesmos, as regras. Mas tanto «amor» banaliza e assassina a coisa, se é que existe. O verdadeiro amor é aquela utopia que vem da infância, dizia o Nelson Rodrigues. Aquela que nos consome, nos condena a um lamaçal interminável, que nos transforma em cães sofredores, resignados, apaixonados.
E o idiota continua na sua colheita. À tarde, à noite, na praia, no café mas, sobretudo, na sua cabeça. Morrerá triste e sozinho. Enquanto o homem-cão morre feliz com a sua utopia. Porque quem tem uma tem todas, mas quem tem todas não tem nenhuma.
E o idiota continua na sua colheita. À tarde, à noite, na praia, no café mas, sobretudo, na sua cabeça. Morrerá triste e sozinho. Enquanto o homem-cão morre feliz com a sua utopia. Porque quem tem uma tem todas, mas quem tem todas não tem nenhuma.
segunda-feira, junho 28, 2004
O país que temos
O país anda embriagado com o futebol. Só pode ser. O português médio ainda não acordou para uma realidade muito estranha: a possibilidade de Santana Lopes «subir» a chefe do governo de coligação actual. Sobretudo, há algo que me assusta: as referências a um certo consenso dentro do partido quanto à escolha do possível substituto de Durão Barroso. Que Durão sempre namorou a «coisa» europeia, todos sabemos. Há consenso. Que Santana Lopes dá um bom líder de partido ou, pior, de governo, nem todos concordam. Não vejo consenso. Consenso e unanimidade são palavras que, em política, equivalem a catástrofe (a História não mente). Receio que, quando a ressaca do Europeu de futebol passar, já será tarde demais para meditar e chorar...
sexta-feira, junho 25, 2004
A triste natureza humana
sexta-feira, junho 18, 2004
Néctar do futebol
Se há coisa que eu adoro nas transmissões televisivas dos jogos de futebol são as imagens dos «momentos mortos» do jogo. Isto porque nunca se procura jogadores, treinadores, árbitros e massagistas, mas sim o melhor aspecto do jogo: os adeptos.
Por um lado, tenho sempre oportunidade de ver as mais caricaturas figuras deste pequeno planeta que (à partida) habitamos. Por outro, pelas adeptas femininas. Estes dois pontos inflacionam quando são competições internacionais. Todas as mulheres gostam de ver jogar a sua selecção. Estão sempre nas bancadas, a apoiar o país ou o jogador que lhes tira o sono. São, mais do que Del Piero ou Larsson, as mais apanhadas pelas câmeras de TV. E, quando o jogo é Itália-Suécia, quererá um homem melhor serão?
Por um lado, tenho sempre oportunidade de ver as mais caricaturas figuras deste pequeno planeta que (à partida) habitamos. Por outro, pelas adeptas femininas. Estes dois pontos inflacionam quando são competições internacionais. Todas as mulheres gostam de ver jogar a sua selecção. Estão sempre nas bancadas, a apoiar o país ou o jogador que lhes tira o sono. São, mais do que Del Piero ou Larsson, as mais apanhadas pelas câmeras de TV. E, quando o jogo é Itália-Suécia, quererá um homem melhor serão?
Antologia
O dia hoje começou da melhor forma. Assim que vi a primeira página do Independente, esboçei um sorriso idiota com a notícia que se dava em capital letters. Parecia ser outra edição desinteressante do Indy, mas não estava destinado a tal destino. Surpreso, deram-me um livro de antologia de crónicas de João Pereira Coutinho. Até alguns dos artigos mais idiotas dentro do jornal me pareceram melhores. Estava destinado a ser um dia bom. Para variar um pouco...
segunda-feira, junho 14, 2004
Sangue, suor e taças
A humildade nem sempre é uma virtude. A romântica epígrafe de destino batalhador é muito vaga. O lema de «sangue, suor e lágrimas» está, pouco a pouco, a perder sentido. Sobretudo no desporto. Da elite mais refinada ao ser mais básico, o imodesto desejo é o mesmo: sangue, suor e taças.
Eleições Europeias
O povo foi às urnas. Teleguiado pela mensagem moralmente despótica e ilusória dos partidos de esquerda, o «cidadão comum» votou contra o governo actual. Ou seja, as eleições transformaram-se (há muito) num referendo institucionalizado e irreversível. Quase que uma sondagem, com danos colaterais, siamesa das eleições que se pensa «verdadeiras»: as legislativas.
O PS «ganhou», indubitavelmente. Ganhou, até, de duas formas.
A primeira vitória, no que toca ao interesse do partido: aproveitaram a «boleia» das eleições para o Parlamento Europeu para defrontar, subtilmente (ou talvez nem isso), o governo. Defrontar Durão Barroso. Defrontar Paulo Portas. Defrontar ministros. Nunca defrontaram Deus Pinheiro, Graça Moura, Queiró e outros. Nunca defrontaram uma ideia de Europa do PSD. Quiseram defrontar a política interna, apenas e só. Quiseram vencer, estrondosamente. Conseguiram. Ferro gostou e sentiu-se aliviado. Carvalhas gostou e foi imbecilmente exagerado e «estalinisticamente manhoso». E por aí fora. A esquerda teve o que quis. O PS também. Não há muito a dizer sobre isso. Acredito que muitos, pelo país fora, apenas hoje à noite souberam que o voto era para deputados europeus... Foram eleições apreciativas do governo, nada mais. O PS, nesse campo, ganhou. Sobretudo, passou uma ideia de força, estrutura e apoios. Perigosamente demagógicos (PS e não só...), mas, sem saírem da legalidade, passaram a perna à inteligência do povo. Melhor é impossível.
A segunda vitória, no que toca à segurança do governo. A esquerda, em especial o PS, conseguiu abalar, propositadamente, o governo. Como é óbvio, a Coligação do Governo não se sentirá especialmente contestada, pois pensam como eu (e melhor, claro), ou seja, que uma enorme maioria votou inconscientemente. Votou porque tinha de votar. E, já que tinha de votar, votou não no PS, PCP ou BE, mas, simplesmente, naqueles que criticam o governo. Lá está, é o que o Bruno dizia no Sábado: (...) não é por as pessoas não votarem nas eleições europeias que o Parlamento Europeu está afastado dos cidadãos. É precisamente o inverso, é por o Parlamento Europeu estar afastado dos cidadãos que as pessoas não votam nas eleições europeias. As pessoas opinam sobre o que lhes é próximo - Portugal. A Europa, para «nós», fica «ao lado» de Portugal, não é o país que está lá dentro. A Europa é «lá». No entanto, o Governo não deixa de se sentir ameaçado. A mentalidade colectiva é o que move as massas e, consequentemente, as eleições. E passou uma mensagem de desaprovação do governo formado por Durão Barroso. O cidadão comum será afectado pelo que os outros pensam. E isso é contagiante. O discurso demagógico cai dos oradores partidários e espalha-se facilmente pelas bases eleitorais. Contra a maré das «opções políticas da moda», não há coligação que aguente. E aqui, a fragilidade que transpareceu com o fraco resultado da Força Portugal, é a outra grande vitória do PS e das forças da oposição.
Mas há outro ponto interessante que não será abordado. E esse ponto, muito importante, aliás, eu diria o mais importante, é o da posição dos habituais eleitores ou apoiantes do PSD. E, aqui, há duas opções, no seu seio, de voto contra o próprio partido.
A primeira é não votar, e votar em branco, como acto de recusa, ou de protesto, em relação à existência de uma coligação para a integração no PPE, para o Parlamento Europeu. Desaprovam a Coligação (para as europeias) e, como tal, não votam nela. E votam em quem? Não votam em ninguém.
A segunda razão porque não votam é como protesto contra a posição (potencial) do PSD e da Coligação em relação à União Europeia e, em especial, em relação (e em direcção) à ratificação resignada do Tratado de Constituição Europeia.
Ou seja, não votam contra o governo, votam contra a Coligação Força Portugal e às posições europeias, que são sensivelmente as mesmas do próprio Partido Socialista. No entanto, à esquerda, o mesmo não se passou. Ninguém votou «contra» o PS. O protesto em branco acabou por ser o voto no próprio PS. Confuso? Penso que não. Já ouvi algumas vozes desses lados afirmar isso mesmo. E esta contradição acabou por ser determinante no resultado final. Não foi uma vitória «directa», digamos, do PS. Foi, sim, uma derrota preocupante do PSD. Uma «mensagem» do cidadão normal e, em especial, daqueles que confiam no PSD ou mesmo no PP.
Em suma, o PS cresceu e o PSD ficou mais pequeno. O PCP ganhou nova posição de tiro furtivo. O BE teve um resultado feliz que se adivinhava (aliás, o Bloco de Esquerda teve uma vitória individual, uma vitória dos partidários, de um combate só seu). Agora achar que o Governo se devia demitir, ou que devia governar, daqui em diante, de forma submissa à oposição, é um discurso fácil, oportunista e manipulador, enfim, muito «político». Mas uma coisa, feliz ou infelizmente, tem de ser aceite. A Coligação foi derrotada. Cartões à parte, o PSD recebeu um aviso muito importante das bases. E isso é um sinal a levar em conta...
O PS «ganhou», indubitavelmente. Ganhou, até, de duas formas.
A primeira vitória, no que toca ao interesse do partido: aproveitaram a «boleia» das eleições para o Parlamento Europeu para defrontar, subtilmente (ou talvez nem isso), o governo. Defrontar Durão Barroso. Defrontar Paulo Portas. Defrontar ministros. Nunca defrontaram Deus Pinheiro, Graça Moura, Queiró e outros. Nunca defrontaram uma ideia de Europa do PSD. Quiseram defrontar a política interna, apenas e só. Quiseram vencer, estrondosamente. Conseguiram. Ferro gostou e sentiu-se aliviado. Carvalhas gostou e foi imbecilmente exagerado e «estalinisticamente manhoso». E por aí fora. A esquerda teve o que quis. O PS também. Não há muito a dizer sobre isso. Acredito que muitos, pelo país fora, apenas hoje à noite souberam que o voto era para deputados europeus... Foram eleições apreciativas do governo, nada mais. O PS, nesse campo, ganhou. Sobretudo, passou uma ideia de força, estrutura e apoios. Perigosamente demagógicos (PS e não só...), mas, sem saírem da legalidade, passaram a perna à inteligência do povo. Melhor é impossível.
A segunda vitória, no que toca à segurança do governo. A esquerda, em especial o PS, conseguiu abalar, propositadamente, o governo. Como é óbvio, a Coligação do Governo não se sentirá especialmente contestada, pois pensam como eu (e melhor, claro), ou seja, que uma enorme maioria votou inconscientemente. Votou porque tinha de votar. E, já que tinha de votar, votou não no PS, PCP ou BE, mas, simplesmente, naqueles que criticam o governo. Lá está, é o que o Bruno dizia no Sábado: (...) não é por as pessoas não votarem nas eleições europeias que o Parlamento Europeu está afastado dos cidadãos. É precisamente o inverso, é por o Parlamento Europeu estar afastado dos cidadãos que as pessoas não votam nas eleições europeias. As pessoas opinam sobre o que lhes é próximo - Portugal. A Europa, para «nós», fica «ao lado» de Portugal, não é o país que está lá dentro. A Europa é «lá». No entanto, o Governo não deixa de se sentir ameaçado. A mentalidade colectiva é o que move as massas e, consequentemente, as eleições. E passou uma mensagem de desaprovação do governo formado por Durão Barroso. O cidadão comum será afectado pelo que os outros pensam. E isso é contagiante. O discurso demagógico cai dos oradores partidários e espalha-se facilmente pelas bases eleitorais. Contra a maré das «opções políticas da moda», não há coligação que aguente. E aqui, a fragilidade que transpareceu com o fraco resultado da Força Portugal, é a outra grande vitória do PS e das forças da oposição.
Mas há outro ponto interessante que não será abordado. E esse ponto, muito importante, aliás, eu diria o mais importante, é o da posição dos habituais eleitores ou apoiantes do PSD. E, aqui, há duas opções, no seu seio, de voto contra o próprio partido.
A primeira é não votar, e votar em branco, como acto de recusa, ou de protesto, em relação à existência de uma coligação para a integração no PPE, para o Parlamento Europeu. Desaprovam a Coligação (para as europeias) e, como tal, não votam nela. E votam em quem? Não votam em ninguém.
A segunda razão porque não votam é como protesto contra a posição (potencial) do PSD e da Coligação em relação à União Europeia e, em especial, em relação (e em direcção) à ratificação resignada do Tratado de Constituição Europeia.
Ou seja, não votam contra o governo, votam contra a Coligação Força Portugal e às posições europeias, que são sensivelmente as mesmas do próprio Partido Socialista. No entanto, à esquerda, o mesmo não se passou. Ninguém votou «contra» o PS. O protesto em branco acabou por ser o voto no próprio PS. Confuso? Penso que não. Já ouvi algumas vozes desses lados afirmar isso mesmo. E esta contradição acabou por ser determinante no resultado final. Não foi uma vitória «directa», digamos, do PS. Foi, sim, uma derrota preocupante do PSD. Uma «mensagem» do cidadão normal e, em especial, daqueles que confiam no PSD ou mesmo no PP.
Em suma, o PS cresceu e o PSD ficou mais pequeno. O PCP ganhou nova posição de tiro furtivo. O BE teve um resultado feliz que se adivinhava (aliás, o Bloco de Esquerda teve uma vitória individual, uma vitória dos partidários, de um combate só seu). Agora achar que o Governo se devia demitir, ou que devia governar, daqui em diante, de forma submissa à oposição, é um discurso fácil, oportunista e manipulador, enfim, muito «político». Mas uma coisa, feliz ou infelizmente, tem de ser aceite. A Coligação foi derrotada. Cartões à parte, o PSD recebeu um aviso muito importante das bases. E isso é um sinal a levar em conta...
domingo, junho 13, 2004
Este voto para o que é? II
E, pensando bem, não é «pela democracia» que eu vou votar. Mas sim para exercer um direito que tenho. Exercer o direito de escolha. Vou por mim. Não pela democracia. É por haver uma democracia liberal que também me reservo o direito de escolher não ir. Agora pensem bem antes de votar. Não vá o Dr. Manuel Monteiro pensar que está em fulgurante ascensão...
Este voto para o que é?
Num café, após ver o futebol, um jovem desolado exclama: «amanhã já nem saio de casa...», ao que depois se lembra, «ah pois, tenho que ir votar para aquilo... já não vou».
sábado, junho 12, 2004
Regresso às origens
Imortalidade
Nos últimos tempos, o Mundo, mas, em especial (para nós), o nosso país, tem sido abalado pelo mais terrível acontecimento da existência humana: a Morte. A Morte, com letras grandes, sempre foi o assombro de qualquer ser «normal». É, há diversos anos, «normal», fugir do eterno descanso e esconder os moribundos da nossa própria vista. Quanto mais se ama, menos se quer ver. É um dos custos da sociedade perfeita.
No entanto, não conseguimos deixar de sentir algo que vai além da ciência, da sociedade, da vivência no colectivo. Algo que vai além dos nossos medos. É a saudade. O sentimento mais humano de todos, a saudade. Todos os animais a têm, mas apenas o ser humano a sente realmente. Geralmente motivado pelo nosso egoísmo, a saudade é, no entanto, a mais pura forma de amor. Petrarca não descreveria melhor que o português esse maldito sentimento.
É por isso que, quando tudo desaba nas nossas cabeças, ficamos amarrados a uma e só coisa, a saudade dos que partiram. Invejamos, por momentos, a Morte. Queremos estar onde os outros estão. Sentimos saudades dos nossos antepassados, dos nossos amigos, dos nossos mestres, Deus me perdoe, dos nossos próprios inimigos. É a impermeável saudade do que «já não é» que nos faz, mais do que portugueses, humanos. E nos faz, sobretudo, imortais.
No entanto, não conseguimos deixar de sentir algo que vai além da ciência, da sociedade, da vivência no colectivo. Algo que vai além dos nossos medos. É a saudade. O sentimento mais humano de todos, a saudade. Todos os animais a têm, mas apenas o ser humano a sente realmente. Geralmente motivado pelo nosso egoísmo, a saudade é, no entanto, a mais pura forma de amor. Petrarca não descreveria melhor que o português esse maldito sentimento.
É por isso que, quando tudo desaba nas nossas cabeças, ficamos amarrados a uma e só coisa, a saudade dos que partiram. Invejamos, por momentos, a Morte. Queremos estar onde os outros estão. Sentimos saudades dos nossos antepassados, dos nossos amigos, dos nossos mestres, Deus me perdoe, dos nossos próprios inimigos. É a impermeável saudade do que «já não é» que nos faz, mais do que portugueses, humanos. E nos faz, sobretudo, imortais.
quinta-feira, junho 10, 2004
O «Brasil» ibérico
Atrelados ao futebol, lá vamos nós para mais um banho de auto-estima e de heroísmo colectivo em nome de Portugal. Independente da política, o povo português pauta-se por uma evolução social muitíssimo diferente da evolução económica do país. Quando a economia faz um esforço de crescimento, lamentamo-nos, pedimos cabeças a rolar e deitamo-nos, derrotados, à sombra da impotência estatal, nunca «aligeirando» o peso. Quando a tendência é inversa, vão-nos distraindo com outras coisas. A economia está má, mas ninguém liga. Tudo parece correr bem. No entanto, o futebol é um mundo à parte. Totalmente independente do resto, até do Governo (a não ser quando este último se intromete, por conta própria, no «mundo do futebol»).
A dois dias do Europeu de Futebol no nosso país, vamos dando banhos imperiais aos jovens, e menos jovens, que, durante cerca de um mês, serão filhos de toda a populaça. Sai Durão Barroso, vaiado, do centro das atenções, e entra Figo nas vidas de todos. Figo, Rui Costa, Fernando Couto, etc, etc. Aliás, no Domingo, diversas pessoas votarão em deputados europeus de partidos que não conhecem apenas como uma forma institucionalizada de apupar alguém. Uns acordarão no Domingo cansados de ver futebol, outros do S. António. O que importa é que não vão votar para assim «castigar» a classe política, coisa que não se passará nas hostes do PCP e do BE.
Sendo assim, a imagem da classe política «fraca» em Portugal será levantada, aliás, será esquecida, para a reentrada da classe desportiva. Haverá uma suspensão de toda a negatividade para não desconcentrar os «filhos» do futebol. Enquanto a selecção portuguesa jogar bem, os políticos estarão «saudáveis», o povo estará «satisfeito» com a classe política, saberá alguns resultados das europeias, e por aí fora. Durão Barroso poderá, de certa forma, esperar uma boa prestação da selecção na competição, pois só assim voltarão os aplausos aos campos de futebol e às cerimónias. Até lá, a moral portuguesa fica dependente de 11 homens e uma bola de futebol.
Portugal entrou, no séc. XXI, e confirmou-se este ano com o FC Porto, como o «novo Brasil»: só o futebol nos pode salvar, psicologicamente, da miséria colectiva.
A dois dias do Europeu de Futebol no nosso país, vamos dando banhos imperiais aos jovens, e menos jovens, que, durante cerca de um mês, serão filhos de toda a populaça. Sai Durão Barroso, vaiado, do centro das atenções, e entra Figo nas vidas de todos. Figo, Rui Costa, Fernando Couto, etc, etc. Aliás, no Domingo, diversas pessoas votarão em deputados europeus de partidos que não conhecem apenas como uma forma institucionalizada de apupar alguém. Uns acordarão no Domingo cansados de ver futebol, outros do S. António. O que importa é que não vão votar para assim «castigar» a classe política, coisa que não se passará nas hostes do PCP e do BE.
Sendo assim, a imagem da classe política «fraca» em Portugal será levantada, aliás, será esquecida, para a reentrada da classe desportiva. Haverá uma suspensão de toda a negatividade para não desconcentrar os «filhos» do futebol. Enquanto a selecção portuguesa jogar bem, os políticos estarão «saudáveis», o povo estará «satisfeito» com a classe política, saberá alguns resultados das europeias, e por aí fora. Durão Barroso poderá, de certa forma, esperar uma boa prestação da selecção na competição, pois só assim voltarão os aplausos aos campos de futebol e às cerimónias. Até lá, a moral portuguesa fica dependente de 11 homens e uma bola de futebol.
Portugal entrou, no séc. XXI, e confirmou-se este ano com o FC Porto, como o «novo Brasil»: só o futebol nos pode salvar, psicologicamente, da miséria colectiva.
quarta-feira, junho 09, 2004
Sousa Franco (1942-2004)
Ainda ontem, dizia eu a um conhecido: «se a política não existisse, teria mais, mas tenho simpatia pelo Dr. Sousa Franco». O que soube hoje caíu como uma bomba no meu íntimo. Na morte, todos os elogios se inflacionam, nunca chegando, no entanto, ao nível exigido. Pouco poderei dizer sobre o sucedido. Apenas que me comoveu a fulminância do que aconteceu hoje. Fica uma boa memória...
segunda-feira, junho 07, 2004
Ronald Reagan (1911-2004)
«How do you tell a communist? Well, it's someone who reads Marx and Lenin. And how do you tell an anti-Communist? It's someone who understands Marx and Lenin.»
domingo, junho 06, 2004
O dia mais longo...
A 6 de Junho de 1944, a maior força militar conjunta de sempre parte de Inglaterra com destino às praias da Normandia. Os planos haviam sido delineados, principalmente, por Eisenhower e Montgomery. Na madrugada de 5 para 6, Dwight Eisenhower toma a decisão difícil e pouco consensual: debaixo de mau tempo, decidiu avançar.
Após uma operação iniciada de noite, onde a 6ª (Britânica), a 82ª e a 101ª (Norte-Americanas) Divisões Aerotransportadas deveriam ocupar posições atrás das linhas inimigas, às 06:00 da manhã desembarca o grosso das forças aliadas nas praias de Utah (4ª Divisão de Infantaria dos EUA), Omaha (1ª e 29ª Div. Inf. EUA), Gold (50ª Div. Inf. Britânica), Juno (3ª Div. Inf. Canadiana) e Sword (3ª Div. Inf. Brit.). Perante alguma surpresa e permeabilidade das forças alemãs no local, que esperavam uma operação do género em Pas-de-Calais ou na Noruega, as forças conjuntas aliadas, ainda assim, encontram pela frente uma desesperada defesa do território «vital» nazi. Cada centímetro de praia, diz-se, estava coberto por um fogo cerrado, que incluía metralhadoras pesadas alojadas em bunkers, morteiros, artilharia pesada, minas e algumas divisões de infantaria alemãs. Os blindados, tanto alemães (negados pelo «Führer») como Aliados (afundados no canal), estavam longe e estiveram ausentes dos primeiros momentos da operação. Contam veteranos que algumas lanchas não chegaram à praia após terem sido vislumbradas pelos canhões inimigos, e que, noutras lanchas, após a abertura das rampas, chegaram a morrer unidades inteiras sem ter posto um pé na praia. As 6 horas da manhã seriam o início daquele que seria conhecido como o «Dia Mais Longo».
A 2ª Guerra Mundial teve, no dia 6 de Junho daquele ano, uma viragem determinante. Desde 1939 até esse dia, a luta das Forças Aliadas era em direcção à sobrevivência, à defesa de um modo de vida, e da própria «vida» das nações da Europa. A partir dessa madrugada, soube-se, indubitavelmente, que a sua luta seria, até ao fim da guerra, em direcção à vitória total sobre a Alemanha, Hitler e o «nazismo», e com um objectivo sublime: libertar, de uma vez por todas, a Europa e o Mundo daquela ameaça e colocar a Liberdade num patamar possivelmente intocável nos tempos que se seguiriam.
Por aquela altura, antes da invasão, havia chegado o momento em que os países aliados, e todos os habitantes dos países livres, tiveram de fazer a opção, que seria irreversível: caminhar em direcção a resolução política, aceitando conviver com a visão «nazi» do Mundo e da sociedade, ou abandonar qualquer reserva em relação ao que se estava a combater e porquê e avançar em direcção ao triunfo militar. Todos sabiam o que deveriam fazer, poucos hesitaram quando proposto o objectivo e os valores que se tinham de defender e, consequentemente, salvar.
Hoje, o dia 6 de Junho continua na memória e na História como o dia em que se salvou o Mundo. 60 anos depois, todos nós deveríamos, nos nossos países, celebrar este dia que simboliza a intransigência humana perante os valores da liberdade. Senão pelos que sobreviveram, pelos nossos antepassados ou por nós mesmos, então por aqueles soldados que, nas praias da Normandia, em 6 de Junho de 1944, sacrificaram a sua vida pela nossa, pela dos franceses, pela dos alemães, pela de todos os habitantes das nações da Europa que hoje não podem prescindir da liberdade. Ao menos por eles, que morreram por todos nós...
sábado, junho 05, 2004
Liberdade
Os primeiros passos decisivos para a libertação da Europa deram-se aqui, na manhã de 6 de Junho de 1944.
quinta-feira, junho 03, 2004
O dia da decisão avizinhava-se...
Soldiers, Sailors, and Airmen of the Allied Expeditionary Force!
You are about to embark upon the Great Crusade, toward which we have striven these many months. The eyes of the world are upon you. The hope and prayers of liberty-loving people everywhere march with you. In company with our brave Allies and brothers-in-arms on other Fronts, you will bring about the destruction of the German war machine, the elimination of Nazi tyranny over the oppressed peoples of Europe, and security for ourselves in a free world.
Your task will not be an easy one. Your enemy is will trained, well equipped and battle-hardened. He will fight savagely.
But this is the year 1944! Much has happened since the Nazi triumphs of 1940-41. The United Nations have inflicted upon the Germans great defeats, in open battle, man-to-man. Our air offensive has seriously reduced their strength in the air and their capacity to wage war on the ground. Our Home Fronts have given us an overwhelming superiority in weapons and munitions of war, and placed at our disposal great reserves of trained fighting men. The tide has turned! The free men of the world are marching together to Victory!
I have full confidence in your courage, devotion to duty and skill in battle. We will accept nothing less than full Victory!
Good luck! And let us beseech the blessing of Almighty God upon this great and noble undertaking.
- Dwight D. Eisenhower
P.S.- vejam o plano aqui.
You are about to embark upon the Great Crusade, toward which we have striven these many months. The eyes of the world are upon you. The hope and prayers of liberty-loving people everywhere march with you. In company with our brave Allies and brothers-in-arms on other Fronts, you will bring about the destruction of the German war machine, the elimination of Nazi tyranny over the oppressed peoples of Europe, and security for ourselves in a free world.
Your task will not be an easy one. Your enemy is will trained, well equipped and battle-hardened. He will fight savagely.
But this is the year 1944! Much has happened since the Nazi triumphs of 1940-41. The United Nations have inflicted upon the Germans great defeats, in open battle, man-to-man. Our air offensive has seriously reduced their strength in the air and their capacity to wage war on the ground. Our Home Fronts have given us an overwhelming superiority in weapons and munitions of war, and placed at our disposal great reserves of trained fighting men. The tide has turned! The free men of the world are marching together to Victory!
I have full confidence in your courage, devotion to duty and skill in battle. We will accept nothing less than full Victory!
Good luck! And let us beseech the blessing of Almighty God upon this great and noble undertaking.
- Dwight D. Eisenhower
P.S.- vejam o plano aqui.
Smell of napalm in the morning
E assim é... Lançando, de vez em quando, as conhecidas quase irracionais diatribes políticas, os meus dias vão-se passando, maioritariamente, na leitura e, nos últimos dias e nos que se seguem, à procura de revistas de história com edição especial da comemoração do Dia D. Enfim, até às europeias, a actividade política na minha mente simplesmente cessou...
Musa
Time Passes Slowly
Time passes slowly up here in the mountains,
We sit beside bridges and walk beside fountains,
Catch the wild fishes that float through the stream,
Time passes slowly when you're lost in a dream.
Once I had a sweetheart, she was fine and good-lookin',
We sat in her kitchen while her mama was cookin',
Stared out the window to the stars high above,
Time passes slowly when you're searchin' for love.
Ain't no reason to go in a wagon to town,
Ain't no reason to go to the fair.
Ain't no reason to go up, ain't no reason to go down,
Ain't no reason to go anywhere.
Time passes slowly up here in the daylight,
We stare straight ahead and try so hard to stay right,
Like the red rose of summer that blooms in the day,
Time passes slowly and fades away.
- Bob Dylan
We sit beside bridges and walk beside fountains,
Catch the wild fishes that float through the stream,
Time passes slowly when you're lost in a dream.
Once I had a sweetheart, she was fine and good-lookin',
We sat in her kitchen while her mama was cookin',
Stared out the window to the stars high above,
Time passes slowly when you're searchin' for love.
Ain't no reason to go in a wagon to town,
Ain't no reason to go to the fair.
Ain't no reason to go up, ain't no reason to go down,
Ain't no reason to go anywhere.
Time passes slowly up here in the daylight,
We stare straight ahead and try so hard to stay right,
Like the red rose of summer that blooms in the day,
Time passes slowly and fades away.
- Bob Dylan
As noites da má-língua
O menino João Almeida, apesar da grosseria em que tenta cair, não passa de um pretenso mal-educado. Quer ser mal-educado, apenas e só. Politicamente, isso é viável, depende do estilo. Mas já ouvi bem pior de certos dirigentes ou ex-dirigentes com idade para ter juízo.
Agora a reacção exagerada que tenho visto nas televisões é desproporcional às palavras e, sobretudo, à intenção. Na iminência de talvez relatar o sucedido à comissão de direitos humanos, PS e BE têm dito tudo o que lhes vem à cabeça. Mas com muito cuidadinho verbal. Porque agora estão na mó de cima: são os ofendidos. Durante a próxima semana, portanto, não haverão palavras fortes vindas da esquerda.
João Almeida «pecou», mas há muito que a esquerda tem dito coisas bem mais absurdas e apolíticas. Porquê então este destaque?
Agora a reacção exagerada que tenho visto nas televisões é desproporcional às palavras e, sobretudo, à intenção. Na iminência de talvez relatar o sucedido à comissão de direitos humanos, PS e BE têm dito tudo o que lhes vem à cabeça. Mas com muito cuidadinho verbal. Porque agora estão na mó de cima: são os ofendidos. Durante a próxima semana, portanto, não haverão palavras fortes vindas da esquerda.
João Almeida «pecou», mas há muito que a esquerda tem dito coisas bem mais absurdas e apolíticas. Porquê então este destaque?
quarta-feira, junho 02, 2004
Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Aposto nesta pérola de Michael Gondry como principal candidato, para já, ao melhor filme do ano.
Charlie Kaufman tem mais um rasgo de génio com o argumento de Eternal Sunshine of the Spotless Mind.
Jim Carrey está muito bem encaixado como grande actor que é (sempre achei e disse que os maiores actores despontam na comédia) e atinge, talvez, mais um ponto alto na sua carreira.
Kate Winslet está surpreendentemente bem no filme. Merece elogios mesmo daqueles que não gostem muito da jovem.
Kirsten Dunst é sempre um trunfo em qualquer filme, e este é mais um exemplo disso. E Mark Ruffalo tem um papel bastante bom.
O filme tem um conceito relativamente «comum»: um encontro amoroso entre duas pessoas e, após o clímax de uma longa relação, a sua vontade de esquecer o passado e o próprio presente, incluindo a outra pessoa, para continuar a sua vida. O argumento do filme é que foge, de certa forma, ao habitual. Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) são um desses casais. Quando Clementine decide acabar abruptamente com a sua relação ao apagar a memória que tem do namorado, Joel resolve fazer o mesmo. Mas o processo de Joel acaba por sofrer diversos contratempos quando, entre outras coisas, este resolve desistir e lutar contra a sua própria decisão de apagar a namorada da sua memória. A ironia é que os dois acabam, estranhamente, por se reencontrar e ficar cientes do que aconteceu. Ainda assim, resolvem pisar o mesmo caminho e as mesmas dificuldades que sabem (pensam) que sofreram anteriormente.
O filme é, emocionalmente, muito forte, muito embora a viagem pelos confins da mente de Carrey (e, inevitavelmente, de Kaufman) seja, por vezes, exageradamente absurda e «irrequieta». A «vontade de voltar atrás», o «amor» e a simples «vontade humana» são alguns dos temas que se podem reconhecer aqui. É um dos grandes filmes do ano.
terça-feira, junho 01, 2004
Um plano bem delineado
A estratégia, cada ano, é sempre a mesma. Seja na Feira do Livro de Lisboa («A» Feira), seja em qualquer outra venda de livros, a estratégia de entrada, consumo e saída é a mesma.
O primeiro dia pauta-se por ser uma visita de memorização, aproveitando para meter logo os raros e os bónus dos alfarrabistas ao bolso (com a devida transacção monetária, pois claro), sendo o plano bem encaixado numa meia-hora de visita. Nem mais um minuto.
O segundo dia, ou segunda visita, já é muito mais planeado. Não deverá sair do limite de 10 minutos, sendo uma rápida busca aos livros já «marcados» em casa.
Isto tudo porque as pessoas que frequentam as feiras são, como eu já disse aqui, na sua maioria, pessoas perigosas. Perigosas porque lêem os chamados «livros de montra» e os livros dos «ilustres» (menino Sousa Tavares incluído), e assim se baseia o seu conhecimento e «experiência». Se conhecerem Kafka já merecem uma atenção especial, pois são uma em cem. Assim, nas feiras, pegar num livro de Nélson Rodrigues (descoberta relativamente recente), ao mesmo tempo que outra pessoa, pode causar uma reacção de concorrência perigosa. O português pensa: «se aqueles compram, é porque é bom». E nem todos os olhos têm a preparação emocional para ler Nélson Rodrigues.
Por outro lado, podem-se ver os casalinhos de namorados em lírica deambulação pelo recinto. As pessoas que, desconfiadas, vão levantando dinheiro das caixas automáticas. Os senhores mais idosos com bom gosto na leitura e na opção de se sentarem o mais longe possível da feira a perscrutarem o que adquiriram. E, por fim, a rapaziada, eles e elas, que vão esquadrinhando as calçadas do Parque, espreitando por cima dos livros, em busca de promessas de copulação. Mas há muito mais...
Assim sendo, a Feira é um mundo, mas um dia basta para (re)ver as sempre caricatas personagens da dita megalópole social. E a estratégia mantém-se a mesma há anos. É um plano bem delineado. Entrar, comprar, sair. Nada de demoras. Um pequeno deslize pode ser, intelectualmente, fatal.
O primeiro dia pauta-se por ser uma visita de memorização, aproveitando para meter logo os raros e os bónus dos alfarrabistas ao bolso (com a devida transacção monetária, pois claro), sendo o plano bem encaixado numa meia-hora de visita. Nem mais um minuto.
O segundo dia, ou segunda visita, já é muito mais planeado. Não deverá sair do limite de 10 minutos, sendo uma rápida busca aos livros já «marcados» em casa.
Isto tudo porque as pessoas que frequentam as feiras são, como eu já disse aqui, na sua maioria, pessoas perigosas. Perigosas porque lêem os chamados «livros de montra» e os livros dos «ilustres» (menino Sousa Tavares incluído), e assim se baseia o seu conhecimento e «experiência». Se conhecerem Kafka já merecem uma atenção especial, pois são uma em cem. Assim, nas feiras, pegar num livro de Nélson Rodrigues (descoberta relativamente recente), ao mesmo tempo que outra pessoa, pode causar uma reacção de concorrência perigosa. O português pensa: «se aqueles compram, é porque é bom». E nem todos os olhos têm a preparação emocional para ler Nélson Rodrigues.
Por outro lado, podem-se ver os casalinhos de namorados em lírica deambulação pelo recinto. As pessoas que, desconfiadas, vão levantando dinheiro das caixas automáticas. Os senhores mais idosos com bom gosto na leitura e na opção de se sentarem o mais longe possível da feira a perscrutarem o que adquiriram. E, por fim, a rapaziada, eles e elas, que vão esquadrinhando as calçadas do Parque, espreitando por cima dos livros, em busca de promessas de copulação. Mas há muito mais...
Assim sendo, a Feira é um mundo, mas um dia basta para (re)ver as sempre caricatas personagens da dita megalópole social. E a estratégia mantém-se a mesma há anos. É um plano bem delineado. Entrar, comprar, sair. Nada de demoras. Um pequeno deslize pode ser, intelectualmente, fatal.
segunda-feira, maio 31, 2004
Pirâmide do populismo
Durão Barroso passou a apostar, agora, numa estratégia de «apelo popular» para os combates políticos que aí vêm uns a seguir aos outros. O que é uma outra forma de admitir que aderiu, seduzido pela oposição, ao populismo. E não só.
Uma outra faceta recém-ajustada do nosso Primeiro-Ministro tem muito a ver com o ambiente que rodeou o Congresso. É a «vontade de união». A cegueira que quer fazer passar aos seguidores e, mais perigoso, às bases do partido. A nova mania é a de admirar Alberto João. Como se fosse obrigado a mostrar um agudo sentimento de culpa para com o «afastamento» da Madeira do Governo central. A Madeira está «longe» por causa do megalómano regente da ilha.«, que a tornou num Vaticano ateísta e repleto de uma máfia centralizadora. O «monarca» Jardim nunca me agradou, e não é agora que vai passar a agradar.
O optimismo necessário em tempos de crise é aceitável, mas uma certa barreira que nos separa de um organicismo egocêntrico nacional. O Governo ultrapassou essa barreira. A barreira entre o optimismo e o populismo. E isso é triste.
Uma outra faceta recém-ajustada do nosso Primeiro-Ministro tem muito a ver com o ambiente que rodeou o Congresso. É a «vontade de união». A cegueira que quer fazer passar aos seguidores e, mais perigoso, às bases do partido. A nova mania é a de admirar Alberto João. Como se fosse obrigado a mostrar um agudo sentimento de culpa para com o «afastamento» da Madeira do Governo central. A Madeira está «longe» por causa do megalómano regente da ilha.«, que a tornou num Vaticano ateísta e repleto de uma máfia centralizadora. O «monarca» Jardim nunca me agradou, e não é agora que vai passar a agradar.
O optimismo necessário em tempos de crise é aceitável, mas uma certa barreira que nos separa de um organicismo egocêntrico nacional. O Governo ultrapassou essa barreira. A barreira entre o optimismo e o populismo. E isso é triste.
sábado, maio 29, 2004
O nada (o amor da vitória)
É uma mais que árdua batalha sair, todos os dias, de casa. Cada vez que me levanto da cama, sinto-me emergir no absurdo. Lembro-me de passar a noite absorto num desesperante galope no iminente perigo de queda. Na rua, toda a gente festeja algo novo todos os dias. As desculpas passam, solenemente, a razões para decoro público. São, justamente, os filhos da anomia que se comprazem com estes deleitosos momentos de orgulho. O dever das ocultas forças do absurdo é o de amar ou o de odiar, e nunca ficarem indiferentes. E, ultimamente, tem sido o de amar. Mais até do que o normal. Nas ruas, gritam, agitam cachecóis e pedem-me para gritar também. Adoro-os por isso. Mas também é, precisamente por isso, que evito, sequer, vê-los. Porque, dois dias depois, voltam a odiar-me.
sexta-feira, maio 28, 2004
Sorte
Aliás, diz Leonardo Ralha hoje no Independente:
[Em Cannes] Também derrotado foi o filme de animação «Shrek 2», que saiu de Cannes com as mão a abanar. Melhor sorte teve outro ogre.
[Em Cannes] Também derrotado foi o filme de animação «Shrek 2», que saiu de Cannes com as mão a abanar. Melhor sorte teve outro ogre.
O rei, o sábio... o bobo
Michael Moore é um humorista, pura e simplesmente. A atenção que lhe é dada não tem nada a ver com o que ele faz, mas com contra quem o faz. E assim é escolhido o vencedor. Não há qualidade na sua pretensa «arte». É fácil ser idolatrado «politicamente» com ficção, mentira e humor (palhaçada...). Difícil é sê-lo com seriedade, mesmo se criticamente. A novidade (ou, pensando bem, nem por isso) é o «aplauso» dos meninos bonitos em Cannes. Farenheit 911, aproveitando um nome com mérito, passou por dopcumentário de qualidade. Não fico surpreendido...
Os intelectuais da antiamericanice, com sede na Europa e alguns «imigrados» dos EUA, aplaudem a política no cinema. Moore é medíocre, mas isso não interessa. O dever do povo é amar e odiar. O povo odeia Bush, e o (falso) «cinema» tem que respeitar o gosto do espectador. É a vida...
Os intelectuais da antiamericanice, com sede na Europa e alguns «imigrados» dos EUA, aplaudem a política no cinema. Moore é medíocre, mas isso não interessa. O dever do povo é amar e odiar. O povo odeia Bush, e o (falso) «cinema» tem que respeitar o gosto do espectador. É a vida...
quarta-feira, maio 26, 2004
Boogie man
Os portugueses adoram ver-se ao espelho. E o futebol, como tantos outros artifícios úteis para manter o orgulho nacional pouco enrugado, é um ópio saudável. Como sabem, não costumo falar muito de futebol aqui. Mas, por vezes, há oportunidades que tenho de aproveitar. Senhoras e senhores, eis o papão do futebol europeu:
Parabéns, e aproveitem a festa.
Parabéns, e aproveitem a festa.
terça-feira, maio 25, 2004
Mr. Sting's strange name
No post anterior, apelidei Sting de Gordon Summer, quando, na verdade, é Sumner, com 'n'. O erro foi-me apontado por este senhor. Obrigado. A correcção já foi feita.
segunda-feira, maio 24, 2004
Nostalgia # 1
Gordon Sumner (Sting), Stewart Copeland e Andy Summers. Este é o trio que compunha uma das melhores bandas dos anos 80 (para muitos a melhor, e porque não?). Autores de dezenas e dezenas de «êxitos» que, embora fossem «êxitos», eram boas músicas - o que era raro naquela década. Can't Stand Losing You, Roxanne, Message In A Bottle, Don't Stand So Close To Me, So Lonely, são apenas algumas das músicas que estão no lote das minhas favoritas. Nostalgia... magníficos The Police.
À esquerda salvífica
Que triste pretensiosismo... Achar que «ser de direita» é tentar esquecer o que aconteceu em Abu Ghraib é uma presunção que apenas pertence aos patetas. A resposta, de «contra-ataque», no que toca às sevícias do PREC, é um pouco alocada, mas é a única resposta que consegue corresponder ao pretensiosismo da esquerda e calar uma grande maioria dos mesmos, infelizmente. Por favor, condenem o sucedido em Abu Ghraib, mas também demonstrem uma imparcialidade que possa distinguir direitos humanos de afiliações políticas. Será que são precisas fotografias do que se passou nas prisões após o 25 de Abril para poder também condenar os ditos «pais da democracia portuguesa»?
Viva el-Rei
Desde que a realeza do país aqui do lado anda em festa, tem sido possível vê-los a sair dos esconderijos: os monárquicos. Ultimamente, aproveitando a onda de caloroso afecto popular ao príncipe espanhol, os monárquicos portugueses também têm vindo, por vezes a público, afirmar ou reafirmar insistentemente o seu amor, e a sua nostalgia, à monarquia portuguesa. O 1 de Fevereiro tem sido, creio, novamente chorado em alguns recantos e casas de pasto do país. A monarquia morreu há muito. Não se ganhou com isso, mas também não se perdeu, e essa é, politicamente, a grande verdade.
É traço comum do povo ligar a tradição monárquica a um qualquer tipo de absolutismo, feudalismo ou, mais corrente e razoável, ao tradicionalismo (este último não sendo assim tão negativo). E, como se sabe, o «ar do tempo» é, actualmente, a noção de «progresso». E o progresso implica, para parcelas do povo mais «esclarecidotas», a República - a República do mito equalitarista, fraternal e semi-libertário. Mas é o mesmo povo que tão depressa chora a falta de segurança e de justiça como o excesso de autoridade. Voltando ao que interessa, é essa mesma ideia de «progresso» que os leva a fechar, definitivamente, na gaveta, a ideia de monarquia. Mas, pensando bem, nós já não temos rei? O que foi Soares-presidente? E o que é, embora mais discretamente, actualmente Jorge Sampaio?
Diz uma jovem, um «Zé Povinho feminino», que, com pessoas como eu (conservador) ainda vivíamos sob a monarquia. Claro que, não querendo levar ao ridículo a afirmação, pouco respeitadora de semântica, da jovem, até dou a volta à questão e aceito a desengonçada «crítica». Uma monarquia «moderna», constitucional e, em parte, apenas figurativa, não faria mal a ninguém. Os reis e seus descendentes são criados toda uma vida para uma função. Por outro lado, o actual Presidente da República, na sua juventude, devido às afiliações políticas, repudiava, certamente, a ideia de democracia. E hoje é Presidente. Em comparação com o que temos hoje em dia, uma monarquia era um sistema que, sem ser muito diferente do regime actual, cairía bem ao país. O povo português gosta de realeza, de solenidade, de nostalgia, da protecção divina, das benções reais, do sacrifício, e também gosta de festa, de visitas reais, de cortesias, do ego nacional. E, enquanto um Presidente da República consegue tudo isso com um pouco de vagar, um Rei seria, naturalmente, fadado para a tarefa.
A esquerda repudia a monarquia, como é natural. O «progresso» da sociedade e da política fala mais alto. A monarquia é passado, e por isso é inconcebível. Para mim, é simplesmente escusado voltar ao regime monárquico. Na verdade, não me lembro, à excepção do caso franquista, de nenhuma implantação monárquica pós-republicana na Europa. Seria bom, e até nem seria muito diferente, mas parece-me longínquo e «estranho». Se ainda fossemos «súbditos» do Rei, se ainda houvesse uma monarquia, defenderia a preservação da mesma. Hoje, parece-me, sinceramente, em Portugal, uma ideia morta. Voltar a ela seria, não um passo atrás, mas uma súbtil prova de luxo nacionalista, e isso é escusado.
É traço comum do povo ligar a tradição monárquica a um qualquer tipo de absolutismo, feudalismo ou, mais corrente e razoável, ao tradicionalismo (este último não sendo assim tão negativo). E, como se sabe, o «ar do tempo» é, actualmente, a noção de «progresso». E o progresso implica, para parcelas do povo mais «esclarecidotas», a República - a República do mito equalitarista, fraternal e semi-libertário. Mas é o mesmo povo que tão depressa chora a falta de segurança e de justiça como o excesso de autoridade. Voltando ao que interessa, é essa mesma ideia de «progresso» que os leva a fechar, definitivamente, na gaveta, a ideia de monarquia. Mas, pensando bem, nós já não temos rei? O que foi Soares-presidente? E o que é, embora mais discretamente, actualmente Jorge Sampaio?
Diz uma jovem, um «Zé Povinho feminino», que, com pessoas como eu (conservador) ainda vivíamos sob a monarquia. Claro que, não querendo levar ao ridículo a afirmação, pouco respeitadora de semântica, da jovem, até dou a volta à questão e aceito a desengonçada «crítica». Uma monarquia «moderna», constitucional e, em parte, apenas figurativa, não faria mal a ninguém. Os reis e seus descendentes são criados toda uma vida para uma função. Por outro lado, o actual Presidente da República, na sua juventude, devido às afiliações políticas, repudiava, certamente, a ideia de democracia. E hoje é Presidente. Em comparação com o que temos hoje em dia, uma monarquia era um sistema que, sem ser muito diferente do regime actual, cairía bem ao país. O povo português gosta de realeza, de solenidade, de nostalgia, da protecção divina, das benções reais, do sacrifício, e também gosta de festa, de visitas reais, de cortesias, do ego nacional. E, enquanto um Presidente da República consegue tudo isso com um pouco de vagar, um Rei seria, naturalmente, fadado para a tarefa.
A esquerda repudia a monarquia, como é natural. O «progresso» da sociedade e da política fala mais alto. A monarquia é passado, e por isso é inconcebível. Para mim, é simplesmente escusado voltar ao regime monárquico. Na verdade, não me lembro, à excepção do caso franquista, de nenhuma implantação monárquica pós-republicana na Europa. Seria bom, e até nem seria muito diferente, mas parece-me longínquo e «estranho». Se ainda fossemos «súbditos» do Rei, se ainda houvesse uma monarquia, defenderia a preservação da mesma. Hoje, parece-me, sinceramente, em Portugal, uma ideia morta. Voltar a ela seria, não um passo atrás, mas uma súbtil prova de luxo nacionalista, e isso é escusado.
sexta-feira, maio 21, 2004
A técnica do cartão
Nas entradas do Metro, cada pessoa tem a sua técnica exclusiva de passar o cartão: há quem esfrege o cartão na «banda», há quem bata com ele verticalmente, há quem o passe preguiçosamente ainda dentro da carteira (como é o meu caso), há até mesmo quem se encoste ao utente da frente por não ter nem cartão nem bilhete. Mas uma técnica estava eu longe de conhecer. Ontem, à minha frente, uma senhora, de meia idade, com ar de viúva e beata, passou o cartão... sem o tirar de dentro da mala. Atirou a mala cheia para cima do local destinado ao cartão e ali iniciou o processo de esfregar a mala em busca de ignição. Após uns largos segundos, lá conseguiu. O Metro é um mundo...